Brasil

Por que todos querem a Funasa, órgão com fama de corrupto e ineficaz?

Três partidos disputam abertamente o comando de um órgão notadamente reconhecido pela ineficiência e corrupção. A ideia é garantir a distribuição cada vez maior de emendas parlamentares

Crédito: Mateus Maia

Deputados do PSD pressionam Padilha (Assuntos Institucionais) pelo comando da Funasa (Crédito: Mateus Maia)

Por Samuel Nunes

Uma disputa nada silenciosa ronda o Palácio do Planalto há alguns meses. Três partidos lutam entre si pelo comando da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), autarquia que chegou a ser extinta no começo do governo Lula, mas acabou sendo recriada por pressão do Centrão, que ameaçou impedir a recente reforma ministerial caso o órgão não voltasse à ativa. Atualmente, PSD, União Brasil e Republicanos disputam abertamente a chefia da entidade, que também já foi objeto de desejo do PP. No entanto, o partido de Arthur Lira agora foca mais na Caixa Econômica Federal e deixou a briga em segundo plano.

A Funasa foi criada em 1991, no governo Fernando Collor. À época, o então presidente uniu outras duas autarquias para formar o novo órgão, que teria a função de atuar na prevenção de doenças em comunidades carentes e indígenas, bem como em ações de saneamento básico.

Em 2010, o estatuto do órgão foi alterado, definindo que a Funasa deveria focar a atuação apenas no fomento à implementação de programas de saneamento, em vez de atuar em outras áreas, cujas competências foram delegadas diretamente ao Ministério da Saúde.

Essa atuação tem alto potencial eleitoral, o que sempre despertou a atenção do Centrão, que sempre comandou o órgão. Nos 32 anos de funcionamento da Funasa, a entidade ficou conhecida não pela ação propriamente dita, mas pelos sucessivos escândalos de corrupção.

Nos últimos quatro anos, contratou cerca de R$ 3 bilhões em obras de saneamento básico, sendo a maior parte em cidades do Norte e Nordeste. No entanto, segundo um relatório da Controladoria-Geral da União, a maior parte desses contratos não foi entregue à população. Há diversos indícios de superfaturamento e desvios que estão sob investigação.

Em 2008, no segundo governo Lula, o então ministro da Saúde José Gomes Temporão quase perdeu o cargo depois de afirmar publicamente que os serviços da Funasa eram de baixa qualidade e que o órgão era corrupto.

A fala irritou políticos da base do governo, que pressionaram pela demissão do ministro. Apesar disso, ele conseguiu se manter no posto.

Mesmo com esse histórico, a continuidade da Funasa é fundamental para o grupo fisiológico. Os políticos defendem que a manutenção da autarquia é uma forma de garantir a liberação de verbas de emendas orçamentárias para os distritos eleitorais, onde é possível angariar votos sobretudo em localidades mais humildes, que ainda sofrem com a falta de saneamento básico.

“Se a gente dançar, a Nísia (Trindade) vai dançar também.”
Frase dita por uma deputada do PSD ao ministro Alexandre Padilha

Nos últimos dias, o PSD tem intensificado a campanha para garantir o comando da Funasa. Os líderes da legenda no Congresso reforçaram o pedido de que a autarquia seja entregue ao partido. Inclusive, o nome do eventual presidente foi sugerido. Domingos Gomes Filho, pai do deputado Domingos Neto, foi a escolha da agremiação para assumir a liderança da entidade.

Ex-vice-governador do Ceará, ele foi apontado como alguém com experiência para comandar o seu orçamento bilionário.

No Republicanos, o controle da Funasa é cobiçado desde o acordo que o partido firmou com Lula informalmente para aderir à base no Congresso. A entrada de Silvio Costa Filho foi apenas o primeiro passo para esse movimento, que ainda encontra muita resistência em parte dos parlamentares, já que quase todos foram eleitos com apoio de Jair Bolsonaro e pretendem permanecer fiéis ao ex-presidente.

Há também o desgaste com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, apontado como possível presidenciável em 2026, e que também é apoiado por Bolsonaro, ao menos por enquanto. O União Brasil, que já esteve mais forte na disputa, corre por fora. Nomes como o do deputado Danilo Forte (CE) foram cogitados.

Na semana passada, diante do impasse do governo, agravado pela cirurgia de Lula, deputados do PSD emparedaram o ministro Alexandre Padilha pela indicação do partido, durante o lançamento do programa Escolas Conectadas, que aconteceu no Palácio do Planalto.

Os parlamentares fizeram a cobrança diante de câmeras e microfones da imprensa. O tom foi de brincadeira, mas o recado foi bastante sério.

Um microfone da Rádio CBN captou o momento em que uma deputada disse a Padilha: “Se a gente dançar, a Nísia (Trindade) vai dançar também”.

O PSD defende que tem mais unidade do que o Republicanos neste momento. O partido de Gilberto Kassab conta com 43 deputados e 15 senadores.

Já a legenda ligada à Igreja Universal tem 41 deputados e apenas quatro senadores, incluindo dois bolsonaristas: a ex-ministra Damares Alves e o ex-vice-presidente Hamilton Mourão.

Nessa briga, às vezes a discrição é a melhor arma. ISTOÉ procurou os líderes das legendas envolvidas, mas eles não quiseram se manifestar.

A guerra entre eles é aberta, mas ninguém quer se expor mais que os rivais, até que Lula tome uma decisão sobre como lidar com um órgão notadamente corrupto e ineficaz.