Comportamento

Amazônia: sinais de catástrofe climática estão cada vez mais dramáticos

Secas e altas temperaturas destroem a fauna aquática, como a morte de 120 botos, além de milhares de peixes, deixando centenas de pessoas isoladas por conta do baixo nível das águas dos rios

Crédito: Michael Dantas

Embarcações encalhadas no rio Solimões: navegação inviabilizada (Crédito: Michael Dantas)

Por Alan Rodrigues

As águas do Lago de Tefé, no Amazonas, chegaram a insuportáveis 40ºC na última semana, quando o normal neste mesmo período seria 14 graus a menos. Isso aconteceu onde ainda existia água, já que o nível do lago baixou cerca de 20 metros em sua profundidade. O efeito aterrorizante e imediato do aquecimento das águas pode ser medido pela morte de centenas de botos e peixes. A cena observada pelos moradores de Tefé, na quinta-feira, 28, era dantesca: animais morrendo cozidos vivos pela alta temperatura aquática, entre eles os botos. “Um cenário de fim do mundo”, atesta a bióloga Hilda Isabel Chavez Perez.

Pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Hilda, que é mexicana e emigrou para a Amazônia em 2017, tem se dedicado nos últimos dias ao trabalho de necropsia dos mamíferos aquáticos mortos.

“Era, como é, um sonho trabalhar na Amazônia, mas nunca imaginei que poderia assistir a essa tragédia. Foi um choque.”
Bióloga Hilda Isabel Chavez Perez

A bióloga entende que ainda é cedo para dar respostas concretas ao que está acontecendo. Ao certo, ainda necessitam de estudos, mas o que mais chama a atenção de Hilda, e de outros pesquisadores, é por qual motivo os botos não deixaram o lago rumo ao rio Solimões, que são unidos, com a elevação da temperatura das águas.

“O boto está entre os animais mais inteligentes do mundo. Eles se movimentam com destreza. Não dá para entender porque eles não saíram do lago”, diz.

Os efeitos da catástrofe climática que vem aterrorizando o Amazonas não param por aí. Cerca de 1.500 famílias, algo como 5.000 pessoas, estão isoladas em suas casas por conta da seca. “A secura do lago não permite que as embarcações se locomovam, daí a gente fica preso”, diz Edna Rosa, moradora da Comunidade de Bom Jesus, distante 35 km da cidade mais próxima.

Antes da seca, o trajeto era feito em até uma hora em lancha rápida. “Hoje fazemos em oito horas em canoa, cortando na lama”, diz. Rosa é presidente da associação dos moradores e diz que as necessidades da população são muitas.

“Precisamos de água potável para beber, já que os peixes apodreceram na lama do rio e contaminaram o que sobrou. Precisamos também de cestas básicas, porque não temos como pescar, nem mesmo como sair de casa para comprar alimentos”, relata.

“É a maior seca que vivi em meus 49 anos de vida”, conta ela, que é nascida e criada na região.

Bióloga do Instituto Mamirauá, Hilda Chavez faz a necrópsia dos botos mortos no lago Tefé (Crédito:Divulgação)

O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, sobrevoou áreas afetadas pela seca no Amazonas, na quarta-feira (4). Na visita, ele anunciou a antecipação do Bolsa Família a municípios em emergência e a liberação de outros benefícios às famílias.

A estiagem recorde está relacionada, segundo especialistas, à combinação de dois fatores que inibem a formação de nuvens e chuvas – o El Niño (aquecimento do Oceano Pacífico) e a distribuição de calor do Oceano Atlântico Norte.

O problema é que este cenário pode piorar porque o período de seca, que deveria terminar em novembro, deve se arrastar até janeiro.

Márcio Moraes, especialista do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e integrante da sala de crise da Região Norte, explica que a rápida diminuição da vazão nos rios tem se mostrado alarmante.

Nos períodos secos, eles diminuem de forma lenta, mas essa redução brusca nos deixa preocupados com os impactos, que vão de problemas na agricultura até o desabastecimento da região e afetam até a geração de energia”, alerta.

Vice-presidente e ministros sobrevoam área afetada pela seca na Amazônia e anunciam liberação de recursos e benefícios (Crédito:Cadu Gomes)

Os problemas da seca têm alterado a vida dos moradores da região e vão além da mortandade de animais e do isolamento de comunidades.

As mudanças climáticas podem ter agravado um desmoronamento de terra que engoliu um vilarejo no interior do Amazonas. Tudo aconteceu quando um buraco gigante se formou após queda de barranco e levou dezenas de casas. O fenômeno, chamado de “terras caídas”, é causado pela erosão do solo, comum na região.

O deslizamento aconteceu no fim de semana na vila de Arumã, a cerca de seis horas de barco de Manaus. Segundo os bombeiros, 40 casas desabaram e foram arrastadas para dentro do rio que irriga o vilarejo, duas pessoas morreram e outras três seguem desaparecidas.

A estiagem, que é atribuída em parte às mudanças climáticas globais e ao desmatamento contínuo da Amazônia, atinge proporções alarmantes.

Ao certo, rios imponentes agora se transformam em cursos d’água encolhidos, expondo leitos rochosos antes submersos, que afetam não só a navegabilidade, mas também a vida das pessoas.

“Esses acontecimentos são alertas nítidos que o aquecimento global é real”, diz Hilda Chavez. Em uma frase inconteste: o aquecimento global mata.