Economia

Varejo de shoppings encolhe e dispara alerta de “terremoto”

Combinação de inflação, juros elevados e escândalos financeiros provocam fechamento de 127 lojas em shoppings no mês de agosto. Crise de marcas como Americanas e Ponto também provocam encolhimento e demissões em dezenas de unidades de rua

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Em recuperação judicial, a Lojas Americanas fechou 95 lojas e demitiu 1.131 funcionários em 2023 (Crédito: Divulgação)

Por Mirela Luiz

Depois da crise com a invasão das lojas de e-commerce chinês, o varejo enfrenta outro sinal de alerta com o fechamento de lojas nos shoppings centers. Pesquisa realizada pelo Bank of America (Bofa) revelou que 127 lojas fecharam suas portas apenas no mês de agosto. É uma reversão inquietante em relação ao mês anterior, quando houve um saldo positivo de 82 lojas abertas. Marcas conhecidas do público encolheram. Entre as impactadas por esse panorama encontra-se a renomada Polishop, que se viu obrigada a encerrar atividades em nove de suas lojas. Outras grifes igualmente conhecidas, como Triton, Puket, Ponto Imaginarium e Colombo, também foram afetadas. O levantamento engloba 146 estabelecimentos com cerca de 28 mil lojas ao todo.

Parte desse fechamento é explicado pela crise no grupo Americanas. A Imaginarium e a Puket são parte da Uni.co, unidade de negócios que pertence à Lojas Americanas, em recuperação judicial. A Uni.co, aliás, é parte dos ativos que a varejista deve vender para tentar reequilibrar as contas.

Sem contar apenas os shoppings, as Lojas Americanas já fecharam 95 lojas desde janeiro — uma loja a cada 2,5 dias, demitindo 1.131 funcionários.

O Ponto (ex-Ponto Frio), por sua vez, faz parte de uma empresa em processo de reorganização, o Grupo Casas Bahia, que anunciou ter a intenção de fechar de 50 a 100 lojas dessa marca (não somente em shoppings).

O presidente da companhia, Renato Franklin, disse estar focado em melhorar os indicadores financeiros da empresa e, para isso, fechar lojas deficitárias é um caminho. Só com o fechamento de lojas, a empresa pretende liberar R$ 1 bilhão em estoques.

O grupo lida com as consequências de ter buscado crescimento digital e em novas frentes de negócio quando os juros estavam em 2%. Agora, com a Selic alta e o bolso do consumidor comprometido, a companhia se vê com vendas fracas e dívida alta.

A Lojas Marisa também passa por uma crise e fechou 88 unidades no País em 2023 (inclusive em shoppings).

Outras marcas de destaque também enfrentaram dificuldades e enxugaram suas operações em shoppings, como Tok&Stok e Ri Happy.

Causas do tremor

São inúmeros os fatores que contribuem para esse cenário. Alguns casos têm como causa escândalos financeiros, que abalaram a confiança dos investidores e consumidores. Outras situações envolvem problemas de gerenciamento, que levaram ao decréscimo das operações e ao consequente fechamento de unidades.

“A gente tem um cenário de muitas mudanças nos canais de vendas, e, junto com isso, o ciclo mais longo de alta de juros acabou pegando muitas empresas de surpresa”, argumenta Eduardo Terra, presidente executivo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).

Ele explica que muitas dessas empresas tinham um perfil de dívida muito alta e acabaram não suportando a pressão dos juros altos. “Hoje, as redes pequenas e médias podem investir porque nunca tiveram acesso a uma grande linha de crédito como as empresas maiores, que começaram a ter esse acesso na época dos juros baixos, por isso a dívida é menor”, completa.

Grandes players fecharam 127 lojas em shoppings em agosto: a Lojas Marisa fechou 88 unidades no País em 2023 (Crédito:Patricia Comunello/jc)

Oportunidades

Apesar do tom tenso que parece pairar sobre o varejo de shoppings centers, nem tudo é negativo. Em diversos casos, essa fuga de marcas tem impulsionado processos de reposicionamento no mercado.

Um exemplo é a rede mineira de livrarias Leitura, que está aproveitando a oportunidade para assumir pontos até então ocupados pela Saraiva nos shoppings (a Saraiva, que já foi a líder do setor, pediu falência na quarta-feira, 4, após fechar todas as suas lojas físicas).

Com essa estratégia assertiva, a Leitura já se consolida como a maior rede de livrarias do Brasil.

“Acho que a gente está muito mais em um momento de transformação radical no setor, no DNA do varejo, onde a grande maioria das empresas está passando por reestruturação financeira.”
Henrique Carbonell, CEO da F360, plataforma de gestão financeira.

Essa mudança no panorama do varejo evidencia um cenário desafiador, mas repleto de oportunidades para os empreendedores. As marcas que buscaram se reinventar e se adaptar às novas demandas do consumidor obtiveram resultados positivos.

“Os shoppings tornaram-se cada vez mais plataforma de viver. Essa mudança de mix está atrelada à evolução da experiência do consumidor”, avalia Glauco Humai, presidente da Abrasce.

Na contramão, varejistas de menor porte aproveitaram de suas estruturas mais enxutas e contas mais equilibradas para aproveitar a ocasião da derrocada dos grandes players para expandir suas redes, principalmente dentro dos shoppings.

“Hoje temos uma grande mudança corporativa global acontecendo. Essa mudança vem para ficar e para ser permanente. Acho que todas as grandes e também as pequenas empresas estão se reformatando para se alinhar às tendências”, aponta o consultor de varejo Anderson Franco.

A rede de joias Vivara é um exemplo. Com suas lojas da linha Life lidera o ranking do lado positivo, com 12 unidades abertas somente neste ano.

Outras empresas também estão encontrando espaço para expandir, como a rede de Fast Food Milky Moo, com 23 aberturas; a Natura, com 10 lojas; e a Fini Doces, com 15.