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Petróleo faz da Guiana o eldorado da vez. Mas até quando?

País da região amazônica passa por um boom econômico com a exploração de petróleo na margem equatorial, área também cobiçada pelo Brasil. Mas essa riqueza embute riscos

Crédito: Exxonmobil Guyana

Plataforma da Exxon/Mobil na costa da Guiana: exploração surpreende produtores de petróleo em alto mar (Crédito: Exxonmobil Guyana)

Por Denise Mirás

RESUMO

• Guiana, país ao norte do Brasil, vive explosão econômica fruto da exploração do petróleo
• Analistas receiam aumento de desigualdade e corrupção
• Fenômeno já atrai empresas do mundo inteiro
• Região Amazônica pode ser o “novo pré-sal”, o que acende alerta entre ambientalistas
• Janela para explorar combustível fóssil deve ser curta e Guiana tem desafio de capacitar sociedade 

Com o maior crescimento de PIB no mundo em 2022 (62,3% segundo o FMI, e previsão para bater em extraordinários 115% nos próximo cinco anos), a Guiana já se tornou um dos maiores produtores globais de petróleo offshore (em mar aberto). A partir do boom de exportações do produto, outros setores vêm ganhando impulso, como transporte, habitação e educação. Mas, mesmo deixando para trás o rótulo de país pobre, com economia baseada apenas em agricultura e mineração, a riqueza repentina pode aumentar a desigualdade profunda na sociedade, estimulando a corrupção e o crime organizado.

Há também o risco de a Guiana se acomodar na dependência do petróleo, um combustível fóssil hoje condenado, sem diversificar a economia e investir na formação de profissionais capacitados para novos mercados.

13,6 bilhões de barris de petróleo: essa é a estimativa da reserva na costa da Guiana

A Guiana não chega a somar 800 mil habitantes (população de Maceió, por exemplo), que ficam concentrados na faixa litorânea. Essa região equivale a apenas 10% do território dominado pela floresta amazônica.

É menor que Roraima, com o qual tem limite ao sul (onde também faz fronteira com o Pará), tendo ainda a Venezuela no oeste e o Suriname no leste. Mas, de nação pequena e pobre, tornou-se um fenômeno: até 2025 deve se manter como a economia que cresce mais rapidamente em todo o mundo, de acordo com o Business Monitor International (BMI), unidade da Fitch Solutions de pesquisas e análises globais.

Com o início da exploração de campos de petróleo na região do mar do Caribe, por volta de 2019, mas principalmente com a janela de oportunidade aberta com a guerra na Ucrânia, a partir de fevereiro de 2022, a exportação desse produto por parte da Guiana para a Europa aumentou 63% no primeiro semestre deste ano, segundo a Refinitiv Eikon, provedora de dados de mercados financeiros.

Mais estradas foram abertas no país, que também assiste ao aumento de empregos — e, por consequência, do custo de vida, com aluguéis até triplicados.

Surgem condomínios americanizados nos arredores de Georgetown, a capital, que também vê prédios grandiosos serem levantados no centro, ao lado das construções da época colonial (a independência do Reino Unido se deu em 1966).

Agora, a Guiana começa a consumir bens que eram considerados de luxo, mas também a se preocupar com educação e qualificação de mão de obra, de maneira a reduzir a crônica emigração.

Um país que vive pujança econômica precisa administrar o dinheiro para transformar riqueza em desenvolvimento

Estrutura a ser criada

Flavia Loss, doutoranda pelo Instituto de Relações Internacionais da USP e professora da Unicsul, observa que, à parte o boom petrolífero, a Guiana ainda depende muito do capital externo, principalmente de empresas americanas especializadas no setor. “Qualquer país que viva essa pujança econômica precisa criar uma estrutura tributária, fiscal e jurídica para administrar esse dinheiro e transformar riqueza em desenvolvimento. E não cair em uma situação como da Venezuela, que não implantou outras indústrias e não se preparou para o futuro”, diz.

Em setembro, a Guiana abriu licitação para a exploração de mais 14 blocos a quilômetros de costa, com reservas de 13,6 bilhões de barris de petróleo (fora o gás), na estimativa do Serviço Geológico dos EUA (para se ter uma ideia, isso representa 92% de todas as reservas brasileiras comprovadas até hoje, incluindo o pré-sal).

A Exxon/Mobil , que já tem 30 poços abertos na região, apresentou ofertas em conjunto com a Hess, dos EUA, e a China National Offshore Oil, assim como a francesa Total Energies, aliada de empresas do Catar e da Malásia, e outros grupos de EUA, Gana, Reino Unido e Arábia Saudita. De 390 mil barris por dia (bpd) produzidos neste ano, a perspectiva é chegar a 1 milhão bpd em 2027.

Em 2033, a Guiana estaria atrás apenas da Arábia Saudita, entre os maiores produtores de petróleo em alto mar, à frente de Brasil, México, Noruega e EUA.

Essa perspectiva de produção é vista com lupa pelos especialistas internacionais e, sobretudo, pelos brasileiros. O óleo da margem equatorial é encarado com cobiça pelos países do norte da América do Sul: além da Guiana, movimenta o Suriname, é uma promessa na Guiana Francesa e ainda engatinha na parte do Brasil.

Essa região de alto-mar se estende da Guiana ao estado brasileiro do Rio Grande do Norte. No Suriname, já foi provado o potencial de exploração de 4 bilhões de barris. No Brasil, considera-se essa região amazônica o “novo pré-sal”. Foram leiloados 42 blocos de exploração na área, mas a falta de licenciamento ambiental brecou a exploração, o que causa embates dentro do governo Lula.

Condomínio Western Estates, no entorno de Georgetown, a capital da Guiana: com a economia que cresce mais rapidamente no mundo, aumentam os condomínios americanizados (Crédito:Divulgação)

A questão ambiental não é debatida apenas no Brasil. “A Guiana precisa ter no foco que o petróleo não é mais o combustível do futuro. E pensar nos próximos passos”, observa Flavia.

“Os maiores exportadores do Oriente Médio estão pensando em outras possibilidades e se preparando, pois a Europa e os EUA vão fazer sua transição energética mudando a fonte de combustível”, destaca a professora. “A Guiana tem um período curto para explorar esse petróleo, porque logo terá de se adaptar à transformação energética cobrada pelos países ocidentais.”