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Barroso na presidência do STF: saiba o que muda na corte suprema brasileira

Ao assumir a presidência do Supremo, Luís Roberto Barroso deseja aumentar o diálogo com a sociedade, dar mais transparência à Justiça e avançar em pautas progressistas. Mais importante, tem a missão de enfrentar a polarização e pacificar o País

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Luís Roberto Barroso toma posse como presidente do STF na quinta-feira, 28, ao lado de Lula (Crédito: Divulgação)

Por Marcos Strecker

Aposse de Luís Roberto Barroso na presidência do Supremo Tribunal Federal, na última quinta-feira, não foi apenas uma mudança protocolar. A cerimônia concorrida, com 1,2 mil convidados, mostrou mais uma vez que a sociedade se mostra amplamente solidária à mais alta Corte do País, que teve (e continua exercendo) um papel fundamental para a preservação da democracia. Ele assumiu no lugar da ministra Rosa Weber, que deixou a função ao se aposentar e pôde mostrar para os convidados seu maior legado: a reconstrução da sede do STF em prazo recorde: menos de um mês após os ataques golpistas de 8 de janeiro.

Ao contrário da antecessora, conhecida pela discrição (não dava entrevistas e seu gabinete era conhecido como “Coreia do Norte”), Barroso quer ampliar o diálogo com a sociedade e dar um caráter mais didático às decisões judiciais.

Para isso, criou uma ouvidoria. Mas sua própria prática já demonstra esse desejo de interação mais ativa: é conhecido por participar de eventos e debates, sempre enfatiza a importância da valorização da democracia e das instituições e não se furta em abordar temas progressistas que, nesse momento, encontram um terreno propício com o governo Lula.

O encerramento das votações de pautas de costume como a descriminalização da maconha e do aborto, iniciados na atual gestão, devem criar um novo paradigma.

Tensão no congresso

Desde já, Barroso terá duas missões decisivas. A primeira é garantir que se conclua a bom termo a punição exemplar às tentativas golpistas. O julgamento dos mais de 200 executores das depredações em 8 de janeiro se iniciou em 13 de setembro e deve prosseguir em ritmo acelerado.

Falta, no entanto, punir os financiadores e mentores dos atos, o que pode trazer momentos delicados à medida que esse processo chegue a militares de alta patente ou mesmo de Jair Bolsonaro. Não há sinal de que o novo presidente do Supremo deixará de agir com rigor. Foi assim que ele conduziu o TSE no início do processo eleitoral do ano passado, quando presidiu essa Corte em meio a ameaças contra a democracia e fake news contras as urnas eletrônicas.

No STF, também tomou decisões que desagradaram os aliados do ex-presidente, como a suspensão de despejos e desocupações na pandemia, além de ter garantido a adoção das medidas restritivas adotadas pelos governadores.

Por isso chegou a ser agredido verbalmente por bolsonaristas em um evento em Nova York, em novembro passado, quando respondeu a um deles lançando uma frase que viralizou: “Perdeu, mané. Não amola”.

A segunda frente que vai exigir a atenção do novo presidente é a pacificação das relações com o Congresso. Com o avanço de pautas combativas no STF (drogas, aborto e marco temporal, por exemplo), já surge uma reação mais forte do Legislativo contra uma suposta invasão de competências do Judiciário em áreas que deveriam ser decididas pelos parlamentares.

O fato de que o Legislativo atual é notoriamente conservador, com bancadas fortes do agronegócio, de policiais e de evangélicos, torna a situação ainda mais delicada.

Mas Barroso já se mostrou um homem de diálogo e busca de conciliação — qualidades mais necessárias do que nunca, em época de polarização. Essas habilidades serão necessárias.

Na última quarta-feira, 17 frentes parlamentares ensaiaram paralisar votações por causa da “interferência” do Judiciário e o Senado aprovou um projeto de lei que restabelece o marco temporal, em contraposição à decisão do STF concluída no mesmo dia que revogou essa norma.

A votação folgada (43 a 21) contou com 34 votos de senadores da base aliada. Governistas asseguraram que Lula vetaria a volta do marco temporal, mas parlamentares apostavam que o Congresso derrubaria esse veto, em desafio ao STF.

Isso é um problema para Barroso, que em mais de uma ocasião mostrou sensibilidade com a proteção aos povos originários. Há poucos dias, determinou que o governo federal apresente um relatório sobre medidas para a proteção dos Yanomani.

Uma última área que exigirá atenção é a politização crescente do Judiciário. Retomar a independência da Justiça e o convívio harmonioso dos Poderes é um imperativo para esvaziar os discursos radicais.

Luís Roberto Barroso toma posse como presidente do STF na quinta-feira, 28, ao lado de Lula (Crédito:Divulgação)

Segurança jurídica

O novo presidente já anunciou que entre suas prioridades estão:
• combate à pobreza,
• desenvolvimento econômico e social sustentável,
• valorização da educação básica,
• investimento em ciência e tecnologia,
• saneamento básico,
• habitação popular.

Também se empenhará em dar mais eficiência à Justiça, outra providência urgente para fortalecê-la e blindá-la de críticas.

O ministro também divulgou que se empenhará em dar mais segurança jurídica aos empresários, o que certamente é providencial para a melhora do ambiente de negócios.

Para isso vai ainda ampliar os estudos de impacto econômico das decisões judiciais, o que será igualmente um alento para gestores públicos e investidores.

Um defensor da importância da imprensa, Barroso defende que big techs remunerem a atividade jornalística.

O ministro também enfatiza a defesa dos direitos humanos, o que combina com sua forte formação acadêmica: com pós-doutorado na Universidade de Harvard, EUA, é professor titular de Direito Constitucional na Uerj e já lecionou como professor visitante na UnB e nas Universidades de Poitiers, França, e de Breslávia, na Polônia.

Em uma nota pessoal, o ministro gosta de divulgar nas redes sociais (com mais de um milhão de seguidores) suas leituras e músicas preferidas. Na última leva, constavam o livro O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez, o poema História antiga, de Raul de Leôni, e a canção Eduardo e Mônica, do grupo Legião Urbana. Na sessão solene de posse, a cantora Maria Bethânia cantou o Hino Nacional.

Rosa Weber inspeciona o STF após depredação: reconstrução em 1 mês (Crédito: Pedro Ladeira)

Mulheres no STF

Em sua gestão, Barroso precisará rivalizar com uma gestão que foi marcante. Rosa Weber teve uma atuação decisiva não apenas na defesa da instituição diante da intentona golpista de 8 de janeiro. Ela tomou decisões que reforçaram o colegiado, em oposição às decisões monocráticas, e também limitou os chamados pedidos de vista, agora limitados a 90 dias.

Esse instrumento vinha sendo usado para postergar decisões por anos, esvaziando a força do plenário. Rosa também atuou para aumentar a presença de mulheres no Judiciário. Na última sessão como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na última terça-feira, a ministra conseguiu aprovar uma nova regra para o preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário, o que pode aumentar a presença feminina nos tribunais.

A posse de Barroso no STF deve dar mais impulso a esse avanço em direção à equidade e à diversidade, mas falta combinar com o titular da cadeira do outro lado da Praça dos Três Poderes. Lula acaba de confirmar que o nome do ministro que substituirá Rosa Weber na Corte não seguirá os critérios de “raça ou gênero”.

A PGR precisa voltar a cuidar dos interesses do Brasil

Procuradoria-Geral deveria retomar seu papel constitucional de defesa da sociedade, distanciando-se da postura de Augusto Aras no governo Bolsonaro

Aras alinhou PGR aos interesses de Jair Bolsonaro (Crédito: Pedro Ladeira)

A saída de Augusto Aras da Procuradoria-Geral da República, após quatro anos e dois mandatos, é uma ótima ocasião para esse órgão independente voltar a ser ocupado por um agente público comprometido com a defesa da sociedade, como estabelece a Constituição.

Aras, ao contrário, já entrou nos anais como um dos procuradores-gerais que mais submeteram o Ministério Público aos interesses do presidente de plantão, tornando letra morta o princípio da impessoalidade.

E pior, numa situação dramática: no momento em que o País combatia uma pandemia que tirou quase 700 mil vidas, Jair Bolsonaro difundia impunemente desinformação e remédios ineficazes, sendo blindado com a anuência tácita daquele que deveria defender o interesse público.

Justamente por saber que sua passagem na PGR foi manchada por esse adesismo tácito ao negacionismo (para não mencionar as tentativas bolsonaristas de desacreditar a Justiça Eleitoral e as urnas), Aras tentou reescrever a história lançando um livro com as realizações da PGR durante a emergência sanitária: Ações que Salvam: Como o Ministério Público se Reinventou para Enfrentar a Covid-19.

A publicação causou pouca repercussão. Ou melhor, foi recebida de forma negativa. Aras não se reabilitou diante da opinião pública, assim como não conseguiu influenciar a escolha de Lula para o próximo PGR.

Parte do PT até via com simpatia a recondução de Aras pela inquestionável fidelidade demonstrada ao ex-chefe do Executivo e por ter desmontado a Lava Jato. Na mesma linha se posicionou Dias Toffoli: “Se não fosse por Augusto Aras, talvez não tivéssemos democracia”, elogiou o ministro. Não colou. O presidente já avisou que indicará um novo procurador-geral após sua recuperação da cirurgia no quadril.