Comportamento

Conheça os queijos brasileiros que levaram medalhas no Mundial francês

Produtos artesanais do Brasil voltam de mundial na França com 84 medalhas. Versões frescas e temperadas saem na frente, provando que o investimento em diversidade, conhecimento e terroir fazem parte da bem-sucedida receita

Crédito: Rogerio Cassimiro

Inspiração internacional: flor de abobrinha com ricota é uma criação típica da Itália, país do chef Antonio Maiolica (Crédito: Rogerio Cassimiro)

Por Ana Mosquera

Os queijos brasileiros estão atravessando fronteiras. O País acaba de ser condecorado com 84 medalhas na sexta edição do Mundial de Queijos e Laticínios (Mondial Du Fromage et Des Produits Laitiers), que acontece a cada dois anos no país que é referência na arte queijeira, a França. Quase 10% das 900 medalhas distribuídas para produtores do mundo todo voltaram na mala dos brasileiros — 27 a mais do que em 2021, sendo 17 de ouro, 23 de prata e 44 de bronze. Foram 1640 peças analisadas (288 brasileiras) por 250 especialistas globais.

As premiações comprovam a evolução do mercado no Brasil, alavancado pelo movimento da gastronomia e pelo empenho de produtores na pesquisa e na incidência política, em busca de melhorias específicas nas legislações. Páreo a páreo com queijos maturados por anos, os nacionais levaram sua diversidade de tipos e regiões para o lugar mais alto do pódio — ricota fresca de búfala, queijo com alecrim de São Paulo e até mineiro sem lactose chegaram lá.

(Divulgação)

Os motivos elencados pelos ganhadores são unânimes: a boa qualidade da matéria-prima, o leite, a busca incessante por conhecimento e o cuidado com os animais que o produzem, da alimentação ao solo que pisam.

“Nós fazemos queijo, não mágica. Com matéria-prima ruim, não tem como fazer um produto bom.”
Guilherme Maciel, produtor dos Queijos Goa, em Aiuruoca (MG), ao lado da esposa Caroline Nery

O vencedor é do tipo Mantiqueira de Minas, região certificada pelo governo do mesmo estado, e se assemelha a um parmesão. De tradição familiar queijeira, Maciel segue o modo de fazer histórico da região e agrega ao produto o diferencial de ser sem lactose. “Eu não vou reinventar a roda, mas vou tentar aperfeiçoá-la”, diz.

Respeito pelos processos: controle do preparo na elaboração da Búfala Almeida Prado (Crédito:Divulgação)

De produção igualmente familiar, a ricota fresca da Búfala Almeida Prado, produzida em Bocaina (SP), ganhou uma das medalhas mais desejadas da competição. O CEO Fernando Fiori comemora: “Toda a cadeia acaba sendo premiada”, afirma, uma vez que o bem-estar animal e a alimentação balanceada estão entre os principais pilares pensados pela fundadora Maria Cecília, que começou a criar búfalas há mais de 40 anos para alimentar os filhos com o leite A2A2, de maior digestibilidade.

“Antigamente, tinha um mito de a ricota ser sem graça, mas nós criamos um produto exclusivo, desenvolvido para os chefs”, explica Fiori, sobre a evolução do queijo cremoso.

Meia cura da Queijaria Santa Vitória: à frente dos maturados tradicionais na competição francesa (Crédito:Andrey Amamoto)

Antes dos franceses, o aval do produto veio da Itália. No restaurante Temperani Cucina, em São Paulo, o chef Antonio Maiolica serve a flor de abobrinha empanada e frita, recheada com a ricota fresca recém premiada. Um prato típico, que leva dois ingredientes muito característicos do país europeu, elaborado por um italiano radicado no Brasil.

“Dá para fazer queijos bons em qualquer lugar do mundo. E os pequenos produtores brasileiros estão estudando mais, viajando para a Europa para aprender as técnicas.”

E assim vai se rompendo a necessidade de privilegiar os importados. “Cada chef tem que usar o que está perto. Além de ser mais fresco e gostoso, desenvolve a cultura e movimenta a economia.”

Ademais, o queijo coringa, que funciona em preparos doces e salgados, é muito bem-vindo em solos tropicais, por ser mais leve.

Jeferson Arantes é mestre queijeiro do Goa: receita única e cura mínima de 30 dias (Crédito:Divulgação)

Novo repertório

Com o meia cura de leite de vaca, de casca coberta por alecrim fresco e orgânico cultivado na Fazenda Santa Vitória, em Queluz (SP), os sócios Fábia Raquel e Carlos Cunha levaram o ouro no festival francês. E se surpreenderam. “Estávamos apostando no iogurte”, diz a sócia da queijaria de mesmo nome.

“Penso que a criatividade do brasileiro está se revelando na produção de queijos também.”
Fábia Raquel, sócia da queijaria Fazenda Santa Vitória

Também em formação está o repertório dos consumidores, e o Brasil vive uma espécie de introdução alimentar no quesito artesanal. “A harmonização, por exemplo, não precisa ficar restrita a vinho, mas a receitas. É nosso papel trazer opções para que as pessoas olhem o produto como ingrediente”, afirma Fábia.

Queijos com casca forrada de capuchinha, uma PANC (planta alimentícia não convencional), e tomilho também estão na carta da produção localizada no interior paulista.

De vaca, ovelha, cabra ou búfala, temperado ou não, com ou sem lactose. Seja qual for o tipo do queijo ou o metal das medalhas trazidas do mundial francês, a verdade é que o cenário anda próspero para os produtores artesanais que investem em sabores únicos, potencializados pelo clima e por suas regiões de origem.

A fazenda onde funciona a Queijaria Santa Vitória já aposta no turismo rural, e o produtor dos Queijos Goa pretende seguir caminho semelhante. “Quando alguém vem fazer a visita guiada na propriedade, convido para conhecer a terra”, diz Maciel. O queijo começa no campo — e termina premiado em campeonatos europeus.