Conversa ao lado

Mentor Neto: "Verdade que não é apenas em restaurantes e padarias que podemos desfrutar de conversas alheias" (Crédito: Divulgação)
Por Mentor Neto
Você pode ter grandes amigos, mas não existe conversa mais interessante do que a da mesa ao lado. Isso é um ato.
Você vai jantar com sua melhor amiga, ou tomar um café com aquele companheiro de trabalho, quem sabe um chopp com a turma do futebol, mas se a mesa do lado tiver uma boa conversa ao alcance da sua audição, acabou. Você é sugado para a conversa alheia.
Mais que isso. A mesa ficará em silêncio escutando estranhos conversarem.
Num jantar a dois, posso facilmente trocar o diálogo com minha companhia pela conversa da mesa ao lado.
E, veja, ela nem tem culpa, a companhia.
Pessoa interessante, inteligente, versada em quatro línguas.
Mas é que a conversa da mesa ao lado era a mulher falando com o marido sobre como quer decorar o apartamento de Miami. Como é que eu vou prestar atenção em outra coisa?
— Na sala eu quero um Britto.
— Outro Nininha? mas pelo amor do santo padre.
— Outro.
A regra é: o papo mais interessante mora ao lado
Pronto.
Não estou mais ali.
Sou só um corpo oco, comendo ravioli. Minha alma está sentada na mesa ao lado assistindo o diálogo como quem assiste uma partida de tênis.
Nininha chama cozinha de quitchein. Luiz Otavio diz que vai comprar tudo em Nova York e mandar entregar.
O que pode ser melhor do que ouvir o diálogo dos dois?
Até mesmo minha companhia agora está atenta à conversa ao lado, me fazendo sinais com os olhos sempre que alguma frase se destaca.
É sempre assim. Conversa da mesa ao lado engole você.
Estou almoçando com o pessoal do escritório.
Ao lado, duas mães dentro de roupas de academia dividem uma salada de folhas verdes com tomatinhos cereja.
— To focando na cintura agora.
— Aí amiga…mas você tá ótima.
— Você também! Emagreceu quanto?
— Perdi 12 kg em três dias.
— Que tudo! Onde?
— No Dr. Mônaco, né, quem mais?
Foca na cintura, amiga, eu penso enquanto procuro no celular pelo Dr. Mônaco, afinal preciso estar informado para acompanhar o assunto.
Mas não é só de fofoca que vive a conversa ao lado. Tem também muita sabedoria, como é o caso do que escutei de uma senhora muito distinta, na mesa ao lado de um café na padaria:
— Ouça a voz da sabedoria, filha: não deixe seu marido levar filho na escola.
— Por que não, dona Zezé?
— Porque eles comparam, querida.
— Comparam com que?
— Com o que tem em casa.
Anotou? Sabedoria na mesa ao lado. Aprendo muito.
Verdade que não é apenas em restaurantes e padarias que podemos desfrutar de conversas alheias.
Elevador é outra fonte inesgotável. De preferência elevador de prédio comercial.
Elevador de prédio que tem advogado, por exemplo.
Você entra e pega a conversa no meio.
— …tudo porque meu cliente sonegou impostos durante 12 anos. Pode?
— Sério? Que coisa antiga! Hoje todo mundo sonega, meu Deus!
— Então. Eu falei isso para o juiz. Foi quando ele perdeu a compostura e eu…
Abre a porta e perco o fim da história.
Elevador de hospital:
— Aí tiramos o cérebro demos uma lavada e colocamos de volta.
Eu não entendo nada de conversa de advogado e médico, mas acho bonita.
Com os dois lá, dividindo seu conhecimento tão efusivamente, esqueço de apertar o meu andar.
Desceu até o térreo e fico na torcida por quem vai entrar.
A porta abre, entra um casal. A mulher dispara:
— Você tem ligado para aquela vagabunda? – o marido baixa a cabeça.
Essa promete.