Breve ensaio sobre os príncipes

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Antonio Carlos Prado: "O nefasto, arrivista e antiético princípio (“os fins justificam os meios”) era, na realidade, enunciado pelo fascista Benito Mussolini, cúmplice italiano de Adolf Hitler." (Crédito: Divulgação)

Por Antonio Carlos Prado

O advogado Hery Kattwinkel representou perante os ministros do Supremo Tribunal Federal o réu Thiago Mathar. Contra o seu cliente pesavam diversas e graves acusações, entre elas as de depredação de patrimônio público na Praça dos Três Poderes e tentativa de anular à força a democracia e o Estado de Direito. Está-se falando, é claro, da felizmente fracassada intentona fascista do dia 8 de Janeiro. O réu foi condenado – e merece – a 14 anos de prisão. Por mais odiosos que sejam os crimes praticados por Mathar, ele tem direito à defesa técnica e especializada (direito que fatalmente negaria a seus adversários políticos), e não resta dúvida de que todo o trâmite jurídico que o levou à prisão transcorreu de acordo com os ditames do devido processo penal.

O advogado Kattwinkel fez o possível e o impossível para defender o indefensável, e, se dessa forma não tivesse procedido, os ministros o teriam advertido — desdobrar-se é obrigação regimental do defensor estabelecida pela OAB. Nessa missão, Kattwinkel acabou protagonizando uma surrealista sequência de episódios. Sigamo-lo e chegaremos a um surpreendente fim. No intuito de citar a desgastada frase “os fins justificam os meios”, Kattwinkel quis remeter-se ao fundador da ciência política da modernidade, o florentino Nicolau Maquiavel, autor do clássico O Príncipe. Mas enrolou-se e citou a obra O Pequeno Príncipe, do francês Antoine de Saint-Exupéry. Ocorre, porém, que em nenhum desses livros consta a tal frase.

Se Kattwinkel conhecesse bem O Príncipe saberia que muitos teóricos, erroneamente, transportam até ele a frase “os fins justificam os meios” a partir do que teria escrito o poeta romano Públio Ovídio Naso (43 a.C): “Audentes Fortuna Iuvrat” (“A Sorte Favorece os Audazes”). Nada a ver, como forçam alguns, ligar Ovídio a “os fins justificam os meios”. Kattwikel, com certeza, leu atentamente Ovídio, Maquiavel e Saint-Exupéry, mas os esqueceu.

O nefasto, arrivista e antiético princípio (“os fins justificam os meios”) era, na realidade, enunciado pelo fascista Benito Mussolini, cúmplice italiano de Adolf Hitler. Talvez o próprio Mussolini o tenha criado, uma vez que a perversa máxima atende às expectativas fascistas. Aliás, Mussolini afirmava, de jeito absurdamente invertido, que “os meios justificam os fins”. Tudo, tudo muito estranho. Assim como o fascismo e o nazismo, clássicos ou em suas formas “neo”, devem ser varridos do planeta Terra como lixo ideológico que o são, a frase que suscitou a confusão deveria ser apagada no Brasil porque ela poderá sempre se prestar a justificar perigosas aventuras antidemocráticas e excepcionalidades jurídicas e políticas sob o molde do bolsonarismo.