Comportamento

Bicho-da-seda transgênico produz na China fio mais resistente que Kevlar

Cientistas chineses modificam a genética do bicho-da-seda para produzir fibras de alta resistência. O resultado: fios mais fortes que o material utilizado para fabricar coletes à prova de balas

Crédito: XU YU

Brasil é referência: Paraná produz cerca de 86% da seda do País, seguido por São Paulo (10%) e Mato Grosso (4%) (Crédito: XU YU)

Por Elba Kriss

Fios tão fortes quanto o náilon e mais firmes que o polímero que torna o colete à prova de balas seguro. Esse é o resultado de uma pesquisa e experimento de cientistas da Universidade Donghua, na China, que modificaram geneticamente o bicho-da-seda para a produção de fibras de alta resistência. O fio de seda que conhecemos hoje é fabricado do casulo da lagarta de diversas mariposas, sendo a mais comum a Bombyx mori. À essa produção se dá o nome de sericicultura, atividade milenar que começou na Ásia — não é de espantar que essa revolução tenha origem no mesmo continente.

Casulo é utilizado para produção em escalas industriais: tecido valorizado no mercado têxtil (Crédito:Tan Kaixing )

Liderados pelo biotecnólogo Junpeng Mi, os técnicos inseriram genes de proteínas de seda de aranha nas glândulas secretoras do bicho-da-seda a partir de microinjeções em ovos fertilizados. “As glândulas do bicho-da-seda doméstico e da aranha exibem ambientes físico-químicos notavelmente semelhantes”, observa o estudo.

Deu-se assim a transformação do inseto. Cada mariposa modificada foi cruzada com uma selvagem para produzir a nova geração. Surgiram então vermes mutantes capazes de secretar uma nova fibra.

A análise do revolucionário experimento elaborado a partir desse cruzamento mostrou uma mudança excepcional na estrutura dos fios. “Exibiram impressionante resistência à tração e tenacidade, superando em seis vezes a do Kevlar”, consta na aferição.

O material citado na comparação é o popular tecido sintético usado na maioria das marcas de coletes à prova de balas — o que causou euforia no laboratório chinês.

Ao constatar uma alteração no brilho dos olhos dos bichos-da-seda transgênicos, Mi teve a comprovação de que a alteração genética foi bem-sucedida. “Dancei sozinho e então corri para o escritório do professor Qing Meng, que também integra a equipe, para compartilhar o resultado”, declarou Mi, em entrevista à imprensa local.

Bicho-da-seda modificado: resistência maior que a do material usado na rígida proteção militar (Crédito:Divulgação)

“Essa transgenia parece ter mais futuro econômico do que a técnica que produz bicho-da-seda que brilha no escuro.”
João Berdu Garcia Junior, presidente do Instituto Vale da Seda

João Berdu Garcia Junior, presidente do Instituto Vale da Seda (Crédito:Divulgação)

O êxito no experimento rendeu uma longa análise de quase quarenta páginas na revista científica Matter. Atualmente, a seda de aranha, uma das mais fortes, é difícil de comercializar devido à natureza canibal dos aracnídeos, o que impossibilita a produção em grandes proporções por meio da criação.

Já a descoberta dos chineses foi classificada como “um recurso estratégico com necessidade urgente de exploração”.

“A fibra do bicho-da-seda é hoje a única de seda animal comercializada em larga escala, com técnicas bem estabelecidas”, ressaltou Mi. “Consequentemente, o emprego de bichos-da-seda geneticamente modificados para produzir fibra de seda de aranha permite a comercialização em larga escala e com baixo custo.”

Materiais leves com força e resistência elevadas são altamente procurados. Seda de aranha tem ainda o benefício de ser sustentável, alternativa ecologicamente correta às comerciais sintéticas, como o náilon.

Pode servir para fins que vão além do têxtil, como:
• materiais inteligentes,
• tecnologia aeroespacial,
• engenharia biomédica.

“Esse tipo de fibra pode ser utilizado para suturas cirúrgicas, atendendo a uma demanda global superior a 300 milhões de procedimentos anuais”, afirmou o especialista.

A produção em massa, no entanto, é um capítulo à parte. É preciso avaliar a viabilidade, custo e logística diante das atuais possibilidades.

“Essa transgenia parece ter mais futuro econômico do que a técnica que produz bicho-da-seda que brilha no escuro”, afirma João Berdu Garcia Junior, presidente do Instituto Vale da Seda.

“Ser mais resistente que o Kevlar é um aspecto impressionante, mas merece atenção o método utilizado para determinar isso, pois até mesmo a seda do Bombyx mori tem mais resistência que o aço”, pondera o também engenheiro agrônomo.

“Em experimentos em que um fio de seda e um fio de aço de mesmo diâmetro são submetidos a um aumento constante de tensão, o de aço arrebenta antes, pois não tem elasticidade alguma. Logo, pode-se afirmar que o de seda tem mais resistência que o de aço”, afirma.

Para o especialista, a animadora tentativa chinesa revela que o uso do material pode ser ainda mais amplo por suas características inovadoras, mas isso não quer dizer que a produção tradicional, que conhecemos hoje, poderá ser substituída. “A seda natural tem vários aspectos impressionantes, como sustentabilidade e durabilidade, e ainda contribui para a redução de CO2 na atmosfera”, afirma.

Fibras de seda: carretéis colhidos em laboratório na Ásia (Crédito:Divulgação)