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Lula e a cirurgia no quadril: prótese, críticas e isolamento político

A recuperação da operação no quadril preocupa o presidente, apesar de especialistas minimizarem os riscos do procedimento. O problema é driblar as crises que se acumulam em Brasília, tendo de ficar recluso no Alvorada

Crédito: Evaristo Sá

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente: “Vocês não vão me ver de andador. Vão me ver sempre bonito como se eu não tivesse operado” (Crédito: Evaristo Sá)

Por Marcos Strecker, Samuel Nunes e Regina Pitoscia

Não é incomum que autoridades precisem driblar problemas de saúde que afetam não apenas suas carreiras, mas a vida política do País. Na ditadura, Artur da Costa e Silva sofreu um AVC e criou um embaraço para os militares. A poucas horas de tomar posse, Tancredo Neves precisou ser hospitalizado e seu drama pessoal mudou a história da redemocratização. O próprio presidente Lula teve de tratar um câncer na garganta após encerrar o segundo mandato, e Dilma Rousseff enfrentou um linfoma quando se preparava para concorrer à Presidência. Nos dois últimos casos, a transparência com que se encarou a moléstia foi positiva para a sociedade e não prejudicou a trajetória dos líderes. É, portanto, com uma certa normalidade que o mundo político encarou a cirurgia a que o chefe do Executivo se submeteria na última sexta-feira, 27, no Hospital Sírio-Libanês, em Brasília. Ele devia passar por uma artroplastia total do quadril direito.

Apesar do nome complicado, o procedimento é relativamente comum em pessoas idosas. Lula tem 77 anos de idade.

De acordo com João Matheus Guimarães, presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), a operação é bastante invasiva.

Em resumo, trata-se de serrar a parte superior do fêmur do paciente e uma pequena parte da bacia. Nos dois locais, são inseridas próteses, que podem ser feitas de diversos materiais, como metais, cerâmica e ligas plásticas.

O objetivo é que esses materiais substituam o encaixe do osso natural e da cartilagem que envolve essa região do corpo. “Demora em torno de duas horas. Tem que trocar a cabeça do fêmur e o acetábulo, onde a cabeça do fêmur se articula na bacia. É uma cirurgia que sangra, necessita de reserva de sangue. Não é um procedimento simples, precisa de 24 horas de internamento, pelo menos.”

Do ponto de vista médico, o paciente pode retomar parte das atividades 48 horas depois de deixar a sala de cirurgia. Os primeiros dois dias são mais críticos, em função das dores.

A cicatrização superficial da cirurgia ocorre em até duas semanas, quando os pontos serão retirados. Nesse período, o paciente tende a levar uma vida normal, fora da cama e, principalmente, sem as dores que antes o atrapalhava para caminhar. Os passeios, no entanto, devem ser monitorados e auxiliados com muletas ou um andador, para evitar outras complicações.

Janja visita Lajeado (RS), ao lado do chefe da Secom, Paulo Pimenta (de colete laranja), e do governador Eduardo Leite (de costas, também de colete), na quinta, 28 (Crédito:Mauricio Tonetto/Secom)

O principal temor do presidente era se submeter a uma anestesia geral, dizem interlocutores. A necessidade de uma cirurgia começou a surgir em agosto de 2022, no início da campanha presidencial.

O mandatário evitou demonstrar o desconforto publicamente para não prejudicar a corrida eleitoral. Ele contou que começou a sentir dores enquanto participava da intensa agenda de comícios.

Eram os primeiros sinais de uma artrose, que se caracteriza pelo desgaste acelerado da cartilagem na região. Desde então, o problema se agravou, dificultando a locomoção e piorando gradativamente a qualidade de vida do presidente, até o ponto em que a cirurgia se tornou inevitável.

A artrose é comum em pessoas idosas, mas pode acontecer em pacientes mais jovens. No caso do quadril, esse problema é potencializado pelo fato de a articulação ser uma das principais responsáveis por carregar todo o peso do corpo e garantir a possibilidade de uma série de movimentos, como caminhar e sentar, por exemplo.

A cirurgia costuma ter um prazo de validade, já que a prótese se desgasta em um período de até 20 anos. Por isso, a cirurgia é indicada para pacientes mais idosos, pois significaria apenas a realização de um procedimento, sem a necessidade de troca posterior.

Para se prevenir a artrose ou mesmo prorrogar os efeitos do desgaste nas próteses, os médicos sugerem a realização de exercícios físicos, que possam garantir reforço da musculatura, diminuindo o risco de problemas. Há alguns fatores de risco, como o formato das articulações, que pode ser levemente deformado em algumas pessoas.

Mas isso não é garantia de que o problema irá ou não se manifestar. “O principal é ter uma vida saudável, fazer atividades físicas regulares. O aumento de peso gera sobrecarga nessa junta. Se já tem uma articulação com essa propensão, isso é mais carga nessa cartilagem”, diz Guimarães, que orienta os pacientes a buscar auxílio tão logo percebam os primeiros sintomas.

O vice-presidente, Geraldo Alckmin, permanecerá no Ministério e foi recomendado a viajar mais (Crédito: Tomzé Fonseca)

Com crises no Congresso e dificuldades para avançar na agenda econômica, Lula tentou adiar ao máximo o procedimento. A mera notícia de que se submeteria à cirurgia acirrou os ânimos na base governista, gerou propagação de notícias falsas e até críticas pesadas pela forma como ele tem encarado o tratamento.

A mera sugestão de que a primeira-dama, Janja, poderia substituir o presidente para representá-lo em eventos oficiais causou ciúmes nos Palácio do Planalto e serviu de combustível aos opositores, que ajudaram a divulgar a falsa notícia de que ela assumiria a Presidência na ausência do petista.

Embora a farsa seja facilmente detectada nas redes sociais, houve muita gente que acreditasse na lorota, obrigando o presidente a se explicar pelo Twitter a respeito de uma viagem de ministros ao Rio Grande do Sul, onde acompanharam o drama das pessoas atingidas pelos temporais das últimas semanas.

Havia uma delicadeza adicional. O petista já havia sido criticado anteriormente por não ter visitado o estado de um opositor político afetado por fortes chuvas. O vice, Geraldo Alckmin, o havia representado anteriormente, mas isso também gerou dor de cotovelo entre petistas.

Ainda que todos elogiem a transparência nas informações, o anúncio da operação levou a alguns escorregões do presidente. Durante uma live na internet, Lula falou que não pretende ser visto de muletas, nem de andador:

“Vocês não vão me ver de andador, não vão me ver de muleta. Vão me ver sempre bonito como se eu não tivesse sequer operado.”
Presidente Lula

A fala gerou reações pesadas de entidades e políticos que lutam pelos direitos de pessoas com deficiência. A senadora Mara Gabrilli (PSD), que é cadeirante, repudiou as declarações. “Lula tem uma visão distorcida e capacitista sobre as pessoas com deficiência. Caminhar, seja com andador, muleta ou cadeira de rodas não enfeia ninguém, tampouco subtrai o potencial do ser humano. E ainda demonstra o quanto essa pessoa deve lutar para conseguir exercer cidadania”, afirmou nas redes sociais.

Mesmo recolhido ao Alvorada, Lula não pretende deixar a Presidência no período de recuperação. Segundo o presidente da SBOT, a artoplastia requer pouco tempo de hospitalização e a reabilitação se dá em casa.

A internação hospitalar dura, normalmente, cerca de 48 horas. “De um modo geral, o paciente não deve ficar acamado, pois há risco de embolia e outros problemas. A pessoa começa a perambular devagar, com a ajuda de andador. As primeiras duas semanas são de maior repouso, para evitar hematomas. Se a dor do corte estiver controlada, ele está andando em 48 horas”, explica.

O dr. Lafayette Lage, médico ortopedista pioneiro em artroscopia do quadril, diz que a recuperação varia muito das condições de cada um, mas o paciente pode caminhar assim que passar o efeito da anestesia. E para voltar a andar normalmente, sem auxílio de andador ou muletas, pode levar de uma semana a algo entre 3 e 4 meses.

“Vai depender de como estava a musculatura e também da dedicação do paciente”, pondera.

Seja qual for o período, é imprescindível que haja um acompanhamento médico a cada semana, com exames que possam certificar a evolução, afirma Roberto Ranzini, ortopedista, cirurgião e especialista em medicina esportiva pela USP.

Alckmin vai viajar mais

Na prática, o vice, Geraldo Alckmin, continuará acumulando apenas as funções que já possui no Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, sem precisar se preocupar com a agenda presidencial.

Para dar um ar de normalidade, Lula determinou que o vice e seus ministros viajem mais pelo País para mostrar que o governo está atuante.

Por outro lado, o mandatário seguirá despachando apenas no Alvorada, onde a agenda poderá ficar mais restrita a pessoas de convívio próximo.

Para o primeiro escalão do governo, é aí que mora o perigo. A primeira-dama terá um poder ainda maior, já que ela cuida pessoalmente da agenda do marido. Isso causa calafrios especialmente entre aqueles que não se dão bem com ela.

O presidente também suspendeu eventuais viagens pelos próximos dois meses. A interrupção quebra uma rotina intensa de deslocamentos, que haviam sido programados para projetar Lula internamente e no cenário internacional.

Nestes primeiros nove meses de governo, o petista passou pouco tempo em Brasília, priorizando eventos pelo Brasil e no exterior. A expectativa é de que as andanças de Lula só voltem a ocorrer em novembro, quando deve participar da COP 28, nos Emirados Árabes Unidos.

Para governistas, o temor é de que a agenda restrita deixe o presidente isolado, sobretudo com as disputas que ele ainda trava no Congresso.

Na última semana, por exemplo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), suspendeu a pauta para tentar forçar o chefe do Executivo a realizar mudanças no comando da CEF, um pleito do Centrão nos acordos que culminaram nas recentes trocas de ministros.

Entre as negociações, a mais importante é a aprovação da Reforma Tributária, que está em discussão no Senado, ainda longe de consenso, e corre o risco de sair dos trilhos.

O presidente também deverá definir nas próximas semanas os nomes que irão ocupar a Procuradoria-Geral da República e a vaga da ministra Rosa Weber, no STF.

Essas escolhas vão além do mero gosto pessoal de Lula e passam por intensas negociações entre os interessados, o governo e caciques políticos, para garantir não só a nomeação como as respectivas aprovações no Senado.

O espaço de Weber, por exemplo, criou uma crise interna, com os ministros Flávio Dino e Jorge Messias, que disputam entre si a possível indicação para o posto. No meio de tanta intriga, é o pós-operatório político que pode se mostrar mais doloroso para o mandatário.