Uma dose diária de milagres

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Mentor Neto: "Pagou, tomou nossa hóstia, adeus dor de barriga, enxaqueca ou coceira" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Minha religião é a única que mistura o divino com a ciência.

Chama-se Bulismo.

Não, não foi um erro de impressão. Não é Budismo, nem botulismo.

É Bulismo, mesmo.

Bulistas, como eu, crêem no divino Alopático.

Para um Bulista, Bula é Bíblia. É revelação.

Mas o Bulismo, como qualquer religião, necessita de tempo para nos iluminar.

Uma bula, por mais simples que seja, requer meditação e estudo para ser compreendida em sua totalidade.

Muito comum um neófito, ao ler algum de nossos escritos sagrados, imediatamente assumir os sintomas descritos. Coisa lamentável.

Para entender os rituais que regem os anti-histamínicos ou o poder de um antibiótico recomendado por seu pastor é necessário dedicação.

Pensando nisso, decidi há tempos que meu corpo é um templo.

Nele só entram essências originais, liberadas pelo FDA americano, nosso Vaticano.

Nada de genéricos que isso é coisa de pagão.

Essa é minha receita para uma vida plena.

Homeopatia, acupuntura, yoga. Tudo enganação. Fuja que é pecado.

A salvação está nas prateleiras de nossos templos.

Essa minha religião, o Bulismo, está presente em todos os países do mundo, mas o Brasil é a Meca.

Por aqui, muitos cultos estão disponíveis 24 horas, para atender a qualquer ovelha desgarrada que precise de penitência imediata ou de uma salvação no dia seguinte.

Nossas igrejas, capelas e templos são facilmente identificáveis, pois também carregam em suas fachadas uma cruz. Só que a nossa é vermelha e iluminada.

Para você, que procura uma religião que una a ciência e a fé.

Ah, que coisa linda passear pelos templos repletos de discípulos.

Alguns dizem que nossa religião é mercantilista e que podem sugar até seu último centavo.

Podem mesmo. Outras religiões são até piores neste quesito.

Mas no Bulismo a troca é justa. Você não dá dinheiro por uma salvação intangível e improvável. Aqui é dinheiro em troca de milagre instantâneo.

Pagou, tomou nossa hóstia, adeus dor de barriga, enxaqueca ou coceira.

Não tem conversa.

Claro que, como em qualquer igreja, é necessário conhecer minimamente a dinâmica dos nossos ritos.

Como tudo na vida, é preciso moderação e equilíbrio.

Você, por acaso, já viu alguém saindo de uma catedral carregando meia dúzia de santos numa sacola? Ou um crente encher uma garrafinha com água benta?

Claro que não. Na nossa igreja é a mesma coisa.

Há que se ter um mínimo de bom senso e buscar apenas antídotos para os males que afligem naquele momento.

É aceitável, também, um ou outro lançamento para avançar seu conhecimento eclesiástico.

E, não raro, o dinheiro gasto em nosso templo é investimento para o futuro.

Há registros de pagãos que mergulharam em enormes dívidas nos caros tratamentos hospitalares, apenas porque não recorreram aos milagres que ocorrem diuturnamente em nossas igrejas.

Por sorte aceitaram a casa do coitado como parte do pagamento.

Crianças também são sempre bem-vindas ao Bulismo.

Para seu catecismo, claro, não começamos pelas bulas, mas pelas fivelas, elásticos, esmaltes, estojinhos de cortar a unha e outras pequenas dádivas.

Coisa emocionante ver os pequenos correndo por entre as prateleiras descobrindo aos poucos o mistério dessa religião.

E nada de consagrar apenas o domingo. Aqui todo dia é dia de culto.

Ontem, por exemplo, visitei meu templo preferido. Três andares repletos de milagres.

Consagrei xaropes, pomadas, ampolas e um medidor de glicemia, para o caso de um dia ter a graça de desenvolver diabetes.

O Bulismo ensina que é importante estar sempre preparado porque o mal está sempre à espreita.

E como diz um de nossos mais famosos salmos: um Rivotril diariamente traz a paz literalmente.