Cultura

Paris em ebulição: livro conta a saga dos pintores impressionistas

Obra do historiador Ross King narra a guerra entre gerações que deu origem ao movimento Impressionista na Paris do século 19

Crédito: Adrian Scottow/Creative Commons

Le Déjeuner sur l’Herbe, de Édouard Manet: quadro foi rejeitado no Salão de Paris, em 1863 (Crédito: Adrian Scottow/Creative Commons)

Por Felipe Machado

Não havia celebridade maior que Ernest Maissonier na Paris de 1863. “É o mestre inconteste de nossa época. Entre todos nós é certamente aquele que sobreviverá”, alardeou o colega Eugène Delacroix em uma carta ao escritor Charles Baudelaire. Maissonier vivia em uma mansão nos arredores da capital francesa e tinha, no estábulo, oito cavalos e uma garagem com as carruagens mais velozes da época.

Como havia conquistado tanta fama e fortuna? Eternizando cenas do século 18, glórias de Napoleão e retratos de nobres, reis e imperadores. Dizia-se que ninguém na história da arte tinha conseguido um toque tão grandioso e impecável do pincel.

Suas obras, pequenas e meticulosas pinturas a óleo, eram pequenas joias que atraíam multidões aos salões de arte em toda a Europa. E, então, de uma hora para a outra, foi considerado ultrapassado e esquecido pela história.

Com uma lente minuciosa sobre o panorama do século 19 na França, O Julgamento de Paris: A Revolução Artística que deu Origem ao Impressionismo, do premiado autor canadense Ross King, nos transporta a uma época de revolução cultural, política e artística. Rico em detalhes e escrito no formato de um thriller de ficção, a obra explora um período crucial para o surgimento do movimento impressionista, traçando paralelos entre a evolução da arte e os eventos sociais e políticos que a cercaram.

Ernest Meissonier: da fama e fortuna ao abandono (Crédito:Photo Josse / Leemage via AFP)

Da rejeição à glória

Essa mudança de ares foi essencial para a derrocada de Maissonier e todo o establishment que o endeusava. Édouard Manet e os novos impressionistas que começavam a despontar se recusavam a pintar cenas clássicas ou históricas, preferindo se voltar para paisagens e pessoas comuns — temas impensáveis até então.

Os dois antagonistas passaram então a ser vistos como polos da arte. Maissonier se dedicava aos arrogantes reis e nobres; Manet, à moderna burguesia que passava a lotar os cafés de Paris.

Duas exposições separadas por uma década foram marcantes para consolidar essa revolução. No escandaloso Salão de Paris de 1863 — mais tarde apelidado de o “Salão dos Recusados” —, Manet expôs o polêmico quadro Le Déjeuner sur l’Herbe. A obra, que mostra uma mulher nua em um piquenique, acompanhada por dois homens vestidos, foi rejeitada pelo júri, que a considerou provocativa.

Anos depois, em 1874, Manet e seus companheiros brilhavam na Primeira Exposição Impressionista. O nome do movimento fora inspirado pelo título da obra Impressão, Nascer do Sol, de Claude Monet. Nada de generais no campo de batalha, heróis franceses ou retratos reais: a tela trazia um pequeno barco em meio ao colorido horizonte. Mais tarde, Claude Monet, Camille Pissarro e Pierre-Auguste Renoir integraram o grupo que gerou o confronto com os mestres clássicos, entre eles Ernest Maissonier e Eugène Delacroix.

Ross King, autor de O Julgamento de Paris: “Meissonier levava doze anos para pintar um quadro. Monet pintava duas telas por dia” (Crédito:Divulgação)

No centro da narrativa de King está uma cidade fervilhante de agitação e mudança. No governo de Napoleão III, a sociedade francesa passava por uma série de transformações. A industrialização estava a todo vapor, acelerando a crescente desigualdade entre as classes sociais.

Paris expandia-se rapidamente, resultando em um ambiente urbano caótico, com novos bairros surgindo e os antigos sendo demolidos para dar lugar a grandes avenidas.

Esses eventos não apenas moldaram o destino da nação, mas também influenciaram o curso da arte e da cultura.

Ross King nos guia pelas águas agitadas e nos apresenta a uma geração de artistas que desafiaram as convenções artísticas de sua época.

Importante ressaltar que o mundo atravessava uma transformação tecnológica, com o advento da câmera fotográfica, criada por Louis Daguerre. Isso também deixou para trás os pintores tradicionais, que não sabiam trabalhar com essas novidades.

Além do cuidado histórico com os detalhes, o destaque do livro de King é a linguagem ácida com que trata a velha geração de artistas, criticando seu preciosismo e sua devoção aos ganhos financeiros. “Meissonier é retratado como o vilão no livro porque eu quis dar vida às guerras culturais da época. Ele criava modelos em escala real de batalhas napoleônicas em sua mansão e se esforçava para garantir que suas pinturas fossem historicamente precisas”, afirmou King, em entrevista à imprensa francesa.

“O quadro que ele considerava sua obra-prima, Friedland, levou doze anos para ser pintado. Monet, ao contrário, pintava uma tela de manhã e outra à tarde.”

Entre vilões e heróis, King parece não esconder sua preferência pelos vencedores — os impressionistas.