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Lira x Haddad: quem vai piscar primeiro?

Enquanto o ministro da Fazenda precisa fortalecer-se como articulador político para passar medidas de aumento de receitas, o presidente da Câmara tem sede em ocupar mais espaço no governo. A disputa estremece a relação entre os dois

Crédito: Pedro Ladeira

Arthur Lira: para aprovar impostos nos investimentos, ele quer definir toda a direção da Caixa (Crédito: Pedro Ladeira)

Por Regina Pitoscia

Ainda não dá para saber se o abraço protagonizado entre o ministro da Fazenda Fernando Haddad e o presidente da Câmara deputado Arthur Lira (PP-AL), em Nova York, quando ambos acompanhavam o presidente Lula na Assembleia Geral da ONU, foi mesmo um sinal de que as relações estremecidas desde meados de agosto foram agora reatadas, ou se foi apenas uma pose para as fotos. A resposta deverá vir em pouco tempo, traduzida em iniciativas para o avanço de pautas econômicas importantes na Câmara que permitam o equilíbrio nas contas públicas, mas que dependem de um consenso entre os deputados.

Haddad foi considerado o principal articulador político do governo nos primeiros meses deste ano, ao viabilizar a aprovação, pelos deputados, de questões relevantes.

Entre elas estavam:
• PEC da Transição,
• Arcabouço Fiscal,
• Reforma Tributária.

Elas agora dependem da aprovação do Senado.

Mas foi o mesmo Haddad quem trombou com Lira na questão da taxação de fundos offshore e antecipação de imposto para fundos exclusivos.

O deputado teria ficado incomodado ao descobrir que a tributação de fundos de investidores milionários foi embrulhada na mesma Medida Provisória (MP) que aumentou o limite de isenção da tabela de Imposto de Renda para as pessoas físicas.

Em seguida, não gostou de ser cobrado pelo ministro sobre a tramitação do assunto na Casa.

Mas o caldo entornou mesmo com as declarações de Haddad de que “a Câmara dos Deputados está com ‘muito poder’”, e que aquele poder não podia ser usado para “humilhar o Senado Federal, nem o Poder Executivo”.

“Nós temos duas matérias, a taxação de fundos fechados e das offshores. Elas têm prazo, e temos de votar emergencialmente. Vamos votar já, já.”
José Guimarães, líder do governo na Câmara

A tributação de investimentos dos super-ricos deve gerar uma arrecadação anual extra em torno de R$ 10 bilhões, segundo estimativas do próprio governo. Uma cifra nada desprezível diante da necessidade de angariar R$ 168 bilhões para atender a pretensão do ministro em apresentar déficit zero em 2024.

O deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, está otimista com o andamento das pautas: “Nós temos duas matérias, uma que é fundamental, a da taxação dos super-ricos dos fundos fechados, e a das offshores. Elas estão tramitando e têm prazo, são as que temos de votar emergencialmente. E nós vamos votar já, já”.

Para isso, Guimarães aposta na relação construída pelo governo com o Congresso nesses oito meses: “A prova disso é que nós votamos todas as matérias de interesse do País, não ficou uma sem votar. Mesmo sem o PP e o Republicanos estarem na base, conseguimos votações extraordinárias que viabilizaram o governo”, afirma o líder do governo na Câmara.

Nem todo mundo tem essa mesma leitura e compreensão de tranquilidade no momento político atual.

Um deputado que prefere permanecer no anonimato afirma que Lira quer fazer da aprovação dessas medidas de tributação uma moeda de troca para conseguir emplacar nomes para a direção da Caixa Econômica Federal.

“O Arthur tem tido uma condução infeliz. Ao tentar fazer as indicações para a Caixa, ele age da forma mais rasa e fisiológica, e expõe uma situação em que o governo está de joelhos para a Câmara. Mas essa é a vontade dele, não corresponde à realidade”.

Versão confirmada pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao esclarecer publicamente que o comando da Caixa estava fora das negociações relativas à recente reforma ministerial.

Problemas pendentes

O governo tem pendentes no Congresso as propostas de aumento de receitas, mas não sinaliza com cortes de gastos, em outro lado da balança no equilíbrio do orçamento público.

Guimarães espera que as votações sejam concluídas no Senado até o fim do ano.

Enquanto isso, na Câmara, vão cuidar de fontes de receitas e despesas do governo que precisam ser apreciadas, entre elas a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei de Orçamento Anual (LOA).

Para o cientista político e professor da USP José Álvaro Moisés, a raiz das crises políticas que surgiram a partir do governo Dilma Rousseff está no regime de presidencialismo de coalizão. Nele, “o governo perde a maioria e não consegue ter forças necessárias que garantam a governabilidade”, define o acadêmico.

O sistema funcionou bem nos dois primeiros mandatos de Fernando Henrique e Lula da Silva, já que o aumento de poder ao Legislativo é justificado nesse modelo, mas foi fragilizado com denúncias e escândalos ocorridos nos governos seguintes.

O mesmo papel de Arthur Lira hoje foi desempenhado por Eduardo Cunha há alguns anos, o primeiro a descobrir a brecha aberta para dar mais poder ao Legislativo, lembra o professor.

“Foram pequenas ações, como a criação do orçamento e das emendas individuais, depois da bancada, que conferiram mais poder ao Legislativo e impuseram exigências ao Executivo”. E a primeira exigência é compartilhar certos segmentos do governo. “Essa é a nova realidade, contam com forças para encostar o presidente na parede” arremata Moisés.

Enroscado na Câmara

Os temas pendentes aumentam a arrecadação de impostos ao mirar nos aplicadores do mercado financeiro. A tributação em investimentos no exterior e o come-cotas, que é uma antecipação de recolhimento de IR em fundos exclusivos duas vezes por ano, em maio e novembro, mesmo que não haja saque, atingem os milionários.

Nos FIIs e Fiagros, as mudanças afetam todo tipo de cotista. As demais medidas definem receitas e despesas, além de repasse de verbas entre os governos para o próximo ano. Entre os temas em discussão estão:

• Tributação de fundos offshore (exterior)
• Antecipação de imposto, o come-cotas em fundos exclusivos
• Tributação de dividendos em fundos imobiliários (FIIs)
• Tributação de dividendos em fundos do agronegócio (Fiagros)
• Fim da distribuição de Juros sobre Capital Próprio (JCP)
• Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
• Lei de Orçamento Anual (LOA)