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Cid envolve militares em plano golpista de Bolsonaro

O ex-ajudante de ordens da Presidência revelou à PF que, depois de derrotado nas urnas, o então presidente se reuniu com o comando das Forças Armadas para discutir um golpe de Estado que previa o cancelamento das eleições e a prisão de adversários

Crédito: Adriano Machado

Cid diz à PF que trama de Bolsonaro previa participação de militares em golpe de Estado e prisão de inimigos (Crédito: Adriano Machado)

Por Gabriela Rölke

As revelações do ex-ajudante de ordens Mauro Cid sobre uma reunião entre Jair Bolsonaro e militares de alta patente ocorrida no final do ano passado, na qual teria sido discutida uma minuta de decreto para convocar novas eleições e a prisão de autoridades, pode ser a pá de cal que faltava para levar o ex-presidente à prisão.

Condenado à inelegibilidade pela Justiça Eleitoral, o capitão é acusado agora de uma série de crimes que teriam sido cometidos na esteira de uma tentativa frustrada de golpe de Estado.

A informação, que consta da delação premiada do tenente-coronel do Exército, caiu como uma bomba no Ministério da Defesa de Lula. O titular da pasta, José Múcio Monteiro, que até então vinha contemporizando diante das evidências de envolvimento de fardados na trama golpista do ex-presidente, se viu impelido a agir: convocou os comandantes das Forças Armadas e disse que quer os nomes dos envolvidos, promotendo “separar quem é culpado” — já que a suspeição sobre fardados da cúpula militar “constrange” e “incomoda”.

Mauro Cid declarou aos investigadores da Polícia Federal que presenciou uma reunião em que Bolsonaro e militares de alta patente trataram do golpe. Disse mais: o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria demonstrado apoio ao plano golpista. A discussão só não seguiu adiante porque o Alto Comando das Forças Armadas, incluindo Exército e Aeronáutica, não aderiu.

Além de atingir em cheio os militares, a lama espalhada por Mauro Cid chega agora formalmente ao chamado “Gabinete do Ódio” — constituído pela Assessoria Especial da Presidência, que funcionava no terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos passos do gabinete então ocupado por Bolsonaro.

De acordo com o UOL, o ex-ajudante de ordens contou aos policiais federais que, logo depois do segundo turno da eleição, do qual saiu derrotado, o então presidente recebeu de Filipe Martins, chefe adjunto da Assessoria Especial, uma minuta de decreto que previa a convocação de novas eleições e a prisão de adversários.

Martins é ligado ao vereador Carlos Bolsonaro, o filho 02 do ex-presidente, apontado como estrategista do pai nas redes sociais e coordenador do gabinete do ódio. Conselheiro do capitão para assuntos internacionais, Martins era uma das principais vozes da ala ideológica do bolsonarismo dentro do Palácio do Planalto.

Cid afirma que presenciou reunião em que Bolsonaro e militares trataram do golpe e o então comandante da Marinha demonstrou apoio ao projeto ditatorial

 

Múcio se reunirá com comandantes das Forças Armadas para exigir nomes dos que conspiraram contra a democracia (Crédito:Joédson Alves/Agência Brasil)

Nomes, nomes

Sobre a citação feita por Mauro Cid a militares, José Múcio garantiu que o governo vai buscar esclarecimentos junto à PF e ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. “Precisamos desses nomes”, diz.

Em entrevista ao G1, no entanto, disse que as novas revelações “são relativas a governos passados, comandantes passados”. “Na verdade, isso não mexe conosco”, disse. “São pessoas que já estão na reserva”.

Pelas informações trazidas a público até o momento, não é possível dizer a qual minuta golpista o tenente-coronel se referiu quando falou sobre a reunião com os militares.

As investigações mencionam duas minutas de golpe, (1) uma encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e (2)  outra no celular do próprio Mauro Cid.

Constariam no documento discutido na reunião, além da convocação de novas eleições, o afastamento de autoridades e a prisão de adversários.

A vida de Bolsonaro já não é a mesma desde que Mauro Cid resolveu contar tudo o que sabe e presenciou durante o período em que atuou como braço direito do então presidente.

O acordo de delação premiada do tenente-coronel foi homologado no início do mês por Alexandre de Moraes, e, desde então, a defesa do ex-presidente tenta se antecipar ao que pode surgir de novo para modular a defesa do capitão.

Bolsonaro está no centro das investigações sobre uma organização criminosa que atuava em cinco grandes eixos:
• ataques virtuais a opositores do governo,
• ameaças às instituições e ao processo eleitoral, com a desmoralização da urna eletrônica,
• desrespeito a medidas sanitárias durante o auge da pandemia de Covid-19,
• uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens,
• tentativa de golpe de Estado.

Testemunha ocular de tudo o que se passou no Palácio do Planalto nos últimos quatro anos, Mauro Cid segue assombrando o presidente num pesadelo cujo final pode estar perto de terminar.