Brasil

Por que enterraram a Lava Jato?

Fim simbólico da Operação, com a anulação das provas no acordo de leniência da Odebrecht, mostra a dificuldade no combate à corrupção institucionalizada. Mas os atingidos não perderam a oportunidade de se beneficiar das falhas da maior operação contra crimes do colarinho branco do País

Crédito: Mateus Bonomi

Dias Toffoli anula provas do acordo de leniência com a Odebrecht: críticas de procuradores e políticos (Crédito: Mateus Bonomi)

Por Regina Pitoscia

Como crônica de uma morte anunciada, a decisão do ministro do STF Dias Toffoli, que anulou provas do acordo de leniência com a Odebrecht, jogou a última pá de terra sobre a Lava Jato. Apesar do volume impressionante de evidências, colhidos no País e no exterior, e por uma questão processual, um dos maiores acordos de leniência por corrupção da história do Brasil foi inutilizado.

Assim como a Operação Mãos Limpas, na Itália, que inspirou sua homóloga brasileira, aparentemente tudo ruiu e os crimes de colarinho branco que se reproduzem ao longo da história no País permanecerão.

Em termos técnicos, a decisão de Toffoli não foi errada, defende Pierpaolo Bottini, professor de direito da USP: “Toffoli não anulou nem questionou a legalidade do acordo de leniência com a Odebrecht. O ministro disse que houve ilegalidade na produção das provas, por isso elas são nulas.”

Segundo ele, a mesma decisão foi concedida pelo STF por dezenas de vezes nesse mesmo processo e para várias pessoas. Ela não traz nada de novo, mas consolida decisões anteriores da Corte, por isso, o professor não acredita em desdobramentos, nem que a decisão seja revertida, mesmo diante da contestação da Associação Nacional do Procuradores da República.

Pelo viés político sobram críticas a Toffoli, mais ainda diante da trajetória incongruente do ministro na vida pública. Eduardo Grin, cientista político da FGV-EAESP, lembra que ele foi ministro da AGU, assessor político e advogado por muitos anos do PT e seus deputados.

Já na era Bolsonaro, o juiz da Suprema Corte disse que preferia referir-se ao golpe militar como um ‘movimento’ para então moldar-se ao discurso do momento.

“Toffoli parece ser um personagem que, a despeito de ser um ministro do STF, busca jogar politicamente conforme os ventos favoráveis. A impressão é que ele é um ministro próximo ao governo de plantão, não importa se de extrema direita, ou do PT, do qual participou.”

Moro e Dellagnol se transformaram de acusadores em acusados em menos de oito anos (Crédito:Divulgação)

Na prática, a decisão monocrática do ministro invalidou as provas de um dos maiores acordos de leniência por corrupção no País, quase sete anos após a sua homologação. Nele, representantes da empreiteira assinaram depoimentos confirmando o pagamento de US$ 788 milhões em propina a agentes públicos em 12 países. No Brasil, foram pagos US$ 349 milhões.

Enquanto em outros locais a lei é mais rígida na defesa do interesse público, aqui o entendimento de Toffoli “confunde a opinião pública sobre o papel do STF, em que a decisão de um juiz colocou abaixo um trabalho de promotores e instituições durante anos”, pontua Grin.

No pano de fundo para esse golpe de misericórdia na Lava Jato, está uma mudança extrema de cenários. Quando veio a público em 2014, a operação que tinha à frente da força-tarefa em Curitiba o juiz Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dellagnol ganhou aval amplo e irrestrito da população ao combater crimes do colarinho branco.

Para o professor da FIA Business School Roy Martelanc, “eles acuaram uma classe política inteira”. Mais ainda, colocaram na roda personagens do Judiciário e do Legislativo. “No primeiro round, a Lava Jato sai vencedora”, afirma o professor.

Réu confesso: Marcelo Odebrecht foi preso em 2015 depois de confessar que pagava propinas a líderes petistas (Crédito: Paulo Lisboa)

O troco

Mas os ventos políticos mudaram e nunca houve perdão em nenhuma das três esferas. Moro se tornou ministro da Justiça de Bolsonaro, e teve uma vida curta no governo. Dellagnol perdeu seu mandato de deputado federal. “Agora os três poderes vão enterrar a Lava Jato. Arrumaram pretexto para investigar todos eles. A política é pendular”, setencia Martelanc.

Nesse caso, Moro e Dellagnol, ao entrarem na política, também repetiram o que fizeram seus congêneres italianos da Mãos Limpas, e com os mesmos efeitos deletérios.

Hoje o senador Sérgio Moro diz que a Lava Jato é atacada e ruiu pelos acertos de delação que conseguiu, expondo empresas gigantes, atingindo muitas pessoas e trazendo à tona vários fatos de corrupção com acordos de leniência e recuperação de mais de R$ 6 bilhões aos cofres públicos.

Com o passar do tempo, mais de seis anos, a percepção de impunidade voltou com força, segundo ele. “Temos de defender o direito à verdade. Considero extremamente grave uma decisão judicial ter sido tomada em premissas erradas”, diz o senador referindo-se ao fato de o Ministério da Justiça ter informado a Toffoli não possuir dados sobre cooperação internacional com a Suíça para trazer ao Brasil os sistemas com os registros das propinas da Odebrecht a agentes públicos.

Na última semana, os documentos foram apresentados, e Moro convocou o ministro Flávio Dino para esclarecer na Comissão de Constituição e Justiça do Senado o que chamou de ‘envio de informações inverídicas ao STF’.

Para cientistas políticos, a corrupção foi real, mas o grande pecado da Lava Jato foi ter cometido excessos, atropelando as leis. “Não se pode criar uma instituição Lava Jato, quase um novo centro do poder, com recursos próprios, estrutura jurídica própria, como queriam”, diz o coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec- RJ, José Niemeyer.

Para o cientista político Eduardo Grin, “a Lava Jato se excedeu em questões como delações sem provas objetivas, prolongamento de prisões sem necessidade, e sobretudo o que foi revelado no escândalo da Vaza Jato, o conluio entre quem acusa, o Ministério Público, e quem julga, a Justiça”.