A ponte quebrada

Crédito: Divulgação

Mentor Neto: "O cartão postal agora representa ainda melhor nossa cidade: escura, suja e abandonada" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Nos últimos anos, Rudolph Giuliani, amigo, assessor e ex-advogado de Donald Trump, protagonizou alguns dos mais patéticos momentos já registrados pela mídia americana.

De seus gritos durante entrevistas ao vivo até sua embaraçosa participação em um mockumentary de Sacha Baron Cohen, onde foi filmado seduzindo uma jovem [supostamente] de 15 anos num quarto de hotel, Giuliani jogou sua carreira no esgoto.

Não foi sempre assim.

Nos anos 1980 e 1990, Rudy Giuliani construiu uma sólida reputação.

Como promotor público, em Nova Iorque, consagrou-se por sua implacável luta contra o crime organizado e gangs que infestavam a cidade.

Seu trabalho foi tão eficiente, que lhe valeu a eleição para a Prefeitura de uma das maiores cidades do mundo.

No cargo entre 1994 e 2001, Giuliani se notabilizou por reduzir a criminalidade de Nova York a números nunca vistos.
Após o ataque de 11 de setembro de 2001, Rudy também teve destaque pela forma como organizou a resposta da polícia e bombeiros.

No entanto, apesar de seu papel de extrema importância na pacificação de Nova York na década de 90, Giuliani não foi, como muitos acreditam, o principal responsável por essa mudança.

Há quem credite à sua política de tolerância zero e restrição das armas de fogo as primeiras medidas que conduziram à redução da criminalidade.

Errado também. Apesar da importância das medidas, não foram elas as responsáveis por iniciar o processo.

O livro The City That Became Safe, de Franklin E. Zimring (inédito no Brasil), disseca o passo a passo desta revolução urbana que transformou uma megalópole que sofria de violência crônica numa das mais seguras do mundo.

A mudança não começou em 1994, muito menos com Giuliani e sim quase 10 anos antes, por meio de um projeto multidisciplinar. Um detalhado mapeamento dos crimes da cidade por região foi seguido de ações específicas para essas áreas.

Por exemplo, toda a região da Broadway e Times Square estavam entregues ao tráfico de drogas e pip shows pornográficos. Ali, a receita foi subsidiar a abertura de restaurantes e reformas de teatros para transformar a região num foco de programas familiares.

São Paulo repete a receita conhecida do abandono e desumanização

Nada de ampliar policiamento, tolerância zero ou coisa similar. Mudar o público frequentador da região foi a solução.

Os metrôs, por sua vez, estavam pichados e depredados.

Para eles, a solução foi a teoria da Janela Quebrada, adaptada pelo psicólogo Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford, que em 1969 colocou um carro no Bronx para medir os resultados da destruição da propriedade quando abandonada.

Enquanto o carro estava intacto, nada aconteceu. Mas bastou quebrar uma de suas janelas, para que o veículo fosse vandalizado em poucas horas.

Em São Paulo, na Ponte Estaiada, vivemos o mesmo experimento urbano, não intencional, mas cujo resultado é previsível.

A importância da Ponte Estaiada para a cidade vai além do tráfego. Suas luzes comunicam mensagens como o mês do câncer de mama ou próstata. Sua arquitetura resume a estética de São Paulo. Não à toa, se transformou no cartão postal da cidade.

Recentemente, a ponte teve sua iluminação roubada e está às escuras.

A Prefeitura informou que não tem verba para restaurar os cabos roubados. Não propôs nenhuma solução, prazo, parceria público-privada, nada.

O abandono da segurança que levou ao roubo e a declaração pública de que a iluminação não tem prazo para ser restaurada foram o recado implícito do abandono da região.

Ato contínuo, a estrutura da ponte foi inteiramente pichada, da base ao topo.

Nossa janela quebrada é a ponte e o vandalismo é a consequência conhecida.

O cartão postal agora representa ainda melhor nossa cidade: escura, suja e abandonada.