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A farra da anistia política: Congresso corre para aliviar fiscalização eleitoral

O Congresso trabalha, a toque de caixa, para afrouxar a legislação eleitoral, aprovando pacote de alterações que vai dificultar o controle dos gastos dos partidos e pode resultar no perdão de R$ 23 bilhões em dívidas de agremiações por irregularidades nas eleições

Crédito: Gabriela Biló

Alterações na legislação são impulsionadas por Arthur Lira (PP-AL): apoio da direita, da esquerda e do Centrão (Crédito: Gabriela Biló)

Por Gabriela Rölke e Samuel Nunes

Deputados e senadores correm contra o tempo neste mês de setembro para aprovar, em benefício próprio, um pacote de alterações na legislação eleitoral cujo objetivo é perdoar dívidas dos partidos com a Justiça Eleitoral, além de afrouxar mecanismos de fiscalização e controle, entre outros pontos.

Impulsionada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a ofensiva que fragiliza a transparência e a prestação de contas tem o apoio da direita, da esquerda e do Centrão.

A chamada PEC da Anistia, que tramita na Câmara em regime de urgência, pode resultar no perdão de R$ 23 bilhões em dívidas de partidos e políticos por irregularidades eleitorais.

Também podem ser revertidos pelo Congresso avanços recentes que garantiram a mulheres e pessoas negras uma participação mais igualitária nas disputas eleitorais.

Já a minirreforma eleitoral, cujo texto-base foi aprovado na Câmara na quarta-feira, 13, enfraquece as leis da Ficha Limpa e da Improbidade Administrativa.

O Parlamento tem pressa. Para que as alterações possam valer já para as próximas eleições, em 2024, as novas normas precisam estar promulgadas ou sancionadas até o dia 5 de outubro: um escândalo inominável em matéria de retrocesso do processo eleitoral brasileiro.

A minirreforma, que ainda precisa ser aprovada pelo Senado antes de ir à sanção do presidente Lula, abre brecha para que os chamados fichas-sujas, que até então teriam as candidaturas barradas pela Justiça Eleitoral, possam disputar as eleições caso tenham sido condenados por infrações mais brandas, como deixar de prestar contas ou nomear familiares para cargos de confiança.

Outra mudança que afrouxa a Lei da Ficha Limpa estabelece que, nos casos de improbidade administrativa, só será negado o registro de candidatura se ficar comprovado que o agente público agiu com dolo, isto é, de forma intencional.

Além disso, uma aparentemente sutil mudança de redação no texto gerou uma verdadeira aberração: condenados por lesão ao Erário ou enriquecimento ilícito poderão disputar as eleições – só terão suas candidaturas barradas caso tenham praticado cumulativamente as duas infrações.

Já a inelegibilidade de oito anos, que atualmente começa a ser contada a partir do trânsito em julgado da condenação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passará a ser contada a partir de decisão colegiada, como, por exemplo, condenações nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) nos estados. Na prática, vai permitir que políticos condenados retornem mais cedo às disputas eleitorais.

Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) defende perdão para dívidas de partidos (Crédito:Vini Loures)

Teto para multas

O Congresso também prepara uma “vacina” para evitar situações como a ocorrida em 2022 com o PL de Valdemar da Costa Neto: o partido, que questionou na Justiça o resultado do segundo turno das eleições presidenciais, foi multado em R$ 22,9 milhões pelo TSE por litigância de má-fé.

O valor correspondia a 32% dos R$ 71,5 milhões recebidos a título de fundo partidário. A minirreforma busca estabelecer um teto para o valor das multas, de 10% do fundo partidário a que cada agremiação tem direito.

O tribunal também não poderá mais suspender ou bloquear repasses do fundo eleitoral nos meses que antecedem as eleições. Em 2022, o total foi de R$ 4,9 bilhões destinados aos partidos. No que depender dos congressistas, esse valor será ainda maior em 2024.

A minirreforma também vai dificultar a identificação dos doadores de campanha: as doações via Pix poderão ser feitas por qualquer chave Pix, e não apenas por chave de CPF.

Além disso, em casos de subcontratações durante a campanha eleitoral, os candidatos não vão precisar informar dados sobre os subcontratados por empresas terceirizadas, o que dificulta o trabalho de fiscalização da Justiça Eleitoral.

Entidades da sociedade civil criticam a pressa com que as alterações vêm sendo discutidas no Congresso. Apontam que é preciso aprofundar o debate também com a participação de especialistas.

A pressão de organizações de transparência eleitoral e de movimentos anticorrupção conseguiu barrar pelo menos um dos pontos mais polêmicos em discussão: a possibilidade de que a pena de cassação do mandato do candidato fosse substituída pelo pagamento de multa de até R$ 150 mil. Valor idêntico também livraria da cassação quem fosse condenado por compra de votos.

Para a advogada Emma Palú Bueno, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a apreciação de um pacote de propostas em cima do prazo-limite para as mudanças entrarem em vigor é prejudicial à democracia. “Nós temos um Código Eleitoral que é completamente defasado, da ditadura militar, que sofreu muitas alterações. A solução mais segura seria reformar esse Código Eleitoral, para trazermos mais segurança para o pleito”, afirma.