O incerto futuro de Taiwan, ponto vital para a China e para o mundo ocidental
Ameaçada pela China, a ilha tenta ampliar a segurança com o apoio dos EUA enquanto defende sua democracia. Bilionário entra na corrida presidencial para evitar que nação “vire uma nova Ucrânia”

Sem espaço nem no partido governista nem na oposição, o empresário Terry Gou lança candidatura independente à presidência de Taiwan (Crédito: Sam Yeh / AFP)
Por Denise Mirás
Estima-se que empresas de Taiwan dominem nada menos que dois terços do volume de semicondutores e chips do mercado internacional, o que faz dessa ilha, pouco maior que Sergipe, um ponto vital na geopolítica global. As tensões — inclusive armamentistas — crescem com a disputa cada vez mais acirrada entre EUA e China. Esse é o pano de fundo das constantes manobras militares no Mar do Sul da China: o controle sobre as rotas de escoamento de produtos vitais de alta tecnologia, considerados “o novo petróleo”. Os chips são essenciais na fabricação de celulares a aviões. Com essa produção, Taiwan se tornou fundamental para o funcionamento das mais diversas cadeias de produção e, por isso, EUA e China têm interesse em garantir seu poder sobre a ilha. E o fantasma da Guerra da Ucrânia assombra seus habitantes.

Pivô desse conflito mudo entre os dois polos econômicos globais, Taiwan apresenta sinais cada vez mais fortes e frequentes de ebulição — principalmente depois da pandemia. Uma guerra aberta pelo território seria nada menos que “devastadora” na definição de Lloyd Austin, o secretário de Defesa dos EUA, e afetaria toda a economia internacional, como ele declarou no último dia 3, em Cingapura.
Ao dizer que não considera uma guerra na região “nem iminente nem inevitável”, o americano pediu apoio pela “defesa da democracia na ilha”.
Ao mesmo tempo, a China sempre considerou Taiwan parte de seu território e por isso se teme uma invasão. A “reintegração” da ilha é um dos objetivos do líder chinês Xi Jinping, que tenta transformar seu país numa superpotência militar a curto prazo.
Com isso, cresce a demonstração de força ostensiva de navios militares americanos no mar da China, em contraponto a porta-aviões e jatos chineses sobrevoando a região. De toda forma, as questões são complexas.
Mesmo com o governo americano proibindo transferência de tecnologia de máquinas que fabricam chips para a China (o que inclui imposição a países que são seus clientes, como a Holanda), os chineses ainda são os maiores parceiros comerciais de Taiwan, assim como a própria China ainda é grande parceira de negócios dos EUA.
“Dê-me quatro anos e prometo que trarei 50 anos de paz ao Estreito de Taiwan.”
Terry Gou, candidato à Presidência e fundador da FoxConn, que tem mais de 1 milhão de funcionários pelo mundo
Eleições em janeiro
Em meio a esse cenário de tensões, o bilionário Terry Gou se apresentou para disputar as eleições de Taiwan, marcadas para 13 de janeiro do próximo ano.
Seria apenas mais um candidato folclórico e populista, se não fosse o fundador e grande acionista da companhia FoxConn, fabricante de chips que tem mais de 1 milhão de empregados em instalações na China e pelo mundo, fornecendo peças para a Apple, Tesla e Amazon.
Afastado da empresa desde 2019, ele tentou se candidatar para presidente naquele ano, mas foi preterido pelo principal partido nacionalista (de oposição): o Kuomintang KMT, que tem laços estreitos com a China.
No início de 2023, mais uma vez ficou de fora, com a vaga seguindo para Hou You-yi. Gou tentou concorrer pela legenda governista, mas o Partido Democrático Progressista (DPP) indicou o favoritíssimo Lai Ching-te, também conhecido por William Lai.
Um terceiro candidato é Ko Wen-je, do Partido Popular de Taiwan (TPP).
Assim, aos 72 anos, restou a Terry Gou se lançar em agosto como candidato independente, pregando união para garantir que Taiwan não se torne a “próxima Ucrânia”.
Essas eleições também embutem alianças complicadas. O DPP está no poder, mas nas eleições regionais de novembro passado foi o KMT, pró-China, que elegeu os prefeitos das principais cidades.
E mais recentemente há tentativas das duas principais coligações da ilha de contemporizarem relações com EUA e China. Surgem mesmo ações de moderação, como liberar os voos diretos para o continente. A tentativa de água fria na fervura mais evidente foi em março, quando a presidente Tsai Ing-wen convenceu Kevin McCarthy, o presidente da Câmara dos EUA, a não ir a seu país, e sim marcar uma reunião na Califórnia.
Isso porque quando a deputada Nancy Pelosi — então naquele cargo — foi a Taiwan, em 2022, o mundo parou de respirar com as manobras militares chinesas à volta da ilha.
Isso lembrou à população — e ao mundo — que o terror de uma guerra nuclear segue pairando no ar.