STF, Zanin, Lula e Brandeis: o teorema

Crédito: Evaristo Sa

Antonio Carlos Prado: "Zanin fortalece o STF, instância mais alta do Poder Judiciário e dona do mérito de manter o País sob a égide da democracia" (Crédito: Evaristo Sa)

Por Antonio Carlos Prado

O Estado de Direito pressupõe que dirigentes de partidos políticos que funcionem sob a sua salvaguarda atuem pautados essencialmente pela razão – e que seus militantes, idem. Assim como a paixão está muito mais próxima da loucura que da saúde relacional, juízes ideologizados estão muito mais unidos a decisões antidemocráticas que à imparcialidade exigida pela função. Falou-se de paixão e ideologia, e não foi um falar por falar. A elas referiu-se porque são sinônimas no dia a dia, confundem-se e se prestam, pela teoria do fundador da sociologia, Max Weber, a obnubilar a racionalidade da ação social. Tendo a sociedade como berço os enviesados fundamentos da paixão e da ideologização, demorou ela a ter (se é que tem) uma identidade cultural nacional, fato trazido à luz, por exemplo, pelos historiadores Paulo Emílio Sales Gomes e Sérgio Buarque de Holanda. “(…) A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro”, escreveu Paulo Emílio. “Somos uns desterrados em nossa terra”, definiu Sérgio. Explica-se, assim, ao se abordar os laços solidários por afinidade, que um presidente da República, de esquerda, como é Lula, tenha indicado para o Supremo Tribunal Federal o seu advogado Cristiano Zanin, que se mostra às vezes progressista, em outras, conservador. Explica-se, também, a errônea fala (errônea por ser ideológica) de membros do PT que andam com maledicências em relação a Zanin a ponto de cobrá-lo publicamente por alguns de seus votos. Motiva a injustificada revolta de esquerdistas radicais ele ter-se colocado contrariamente a descriminalização da maconha e a favor da não criminalização da homofobia e transfobia. Seu voto foi vencido e o STF decidiu equiparar ofensas relativas a gênero ao crime de injúria racial. A dialética do pensamento democrático permite crítica, mas não na forma que ocorre. Magistrados, em suas funções precípuas, sentenciam, determinam e decidem de acordo com a Constituição, e o STF forma um colegiado a pacificar questões constitucionais. Mas magistrados também colocam à mesa seus valores subjetivos, crenças e convicções. Existe essa contaminação, e ela é inerente à alma brasileira (à alma humana?), sempre a tatear no escuro em busca de uma fresta de sol entre ideologia e paixão – às cegas, portanto. Juízes têm de estar receptivos às críticas ao seu conservadorismo e possuem o direito constitucional de sê-lo. Juízes podem ser criticados por se dizerem garantistas e ficarem no meio do caminho entre tal postura e a concepção legalista da Justiça, mas igualmente nesse vaivém a Constituição lhes dá guarida. Assim é Zanin, assim Zanin atua. É decorrência da nossa passionalidade cultural – nem boa nem má, apenas uma característica. Ela nos molda e nos move. Enfim, talvez, o que parte petista não aceite é o fato de um presidente de esquerda, feito Lula, ter indicado um juiz que pende mais ao conservadorismo: juiz que, quando advogado, batalhou para comprovar (e comprovou) as irregularidades do processo que conduzira seu cliente ao encarceramento. Presidentes trazem consigo, legitimamente, a discricionariedade da indicação. É vital indagar: por que Zanin, agora ministro, deveria votar de forma a agradar Lula e todos petistas? Por que deveria ser subserviente ao posicionamento político e ideológico de quem o indicou? Não é justamente o servilismo, que muitas vezes habita o indicado em relação ao indicante, uma prática que desgasta a Corte? Então por qual razão desaprovar Zanin porque ele não atua sempre à semelhança de seu criador? Toda essa questão parece dotada de complexidades inexploráveis. Não é não. Pegue-se a meada, puxe-se um fio e ela toda se desmanchará: é a meada da paixão (lembram-se dela?), é a meada da ideologia (lembram-se dela?). Propugna-se, aqui, a liberdade de consciência do julgador e a liberdade de expressão de seus críticos, desde que exercidas constitucionalmente. Zanin fortalece o STF, instância mais alta do Poder Judiciário e dona do mérito de manter o País sob a égide da democracia. Lula quer que os votos dos ministros sejam secretos para neutralizar críticas. Isso fere o republicanismo. Lula tem de se pautar pela fala do ex-juiz da Suprema Corte dos EUA Louis Brandeis: “a luz do sol é o melhor detergente”.