Cultura

Cinema político está de volta – para o bem ou para o mal

Populares nos anos 1970, as produções marcadas por mensagens ideológicas voltam a ganhar força em tempos de polarização acirrada e discussões nas redes sociais

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'Golda – A Mulher de uma Nação': defesa de Israel sem passar por cima da democracia (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

Na indústria cinematográfica há um gênero particular de narrativa que funciona como um espelho da sociedade, transpondo para a tela o que acontece no mundo real. É inevitável, portanto, que a polarização que vivemos no dia a dia chegue a diretores e roteiristas. O cinema político, que atingiu seu auge nos anos 1970, quando conflitos militares e ditaduras se espalhavam pelo planeta, volta remodelado. Por meio do resgate de figuras reais ou com novas obras voltadas para grupos específicos, as salas de exibição são palcos de manifestações ideológicas — e os filmes, ferramentas para disseminação dos conceitos defendidos por seus criadores.

É nesse contexto que surgiu Golda – A Mulher de uma Nação, dirigida pelo israelense Guy Nattiv. No momento em que Israel vive um turbilhão político, seu filme é um manifesto em defesa da legalidade e da democracia.

Enquanto o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tenta reduzir poderes da Suprema Corte, levando milhares de pessoas às ruas em protestos contra seu projeto autoritário, Nattiv mostra como a primeira-ministra, no momento mais crucial da jovem história de Israel, a guerra do Yom Kippur, uniu o país sem recorrer a manobras antidemocráticas.

Isso não a impediu de ser dura com seus inimigos: tomou as decisões mais difíceis de sua vida, mas venceu a guerra e garantiu a existência do Estado judeu. “Não é possível apertar as mãos com os punhos fechados”, dizia aos que se recusavam a negociar. A interpretação magistral de Helen Mirren mostra que tomar partido diante de uma causa não prejudica o talento artístico.

O ator Dennis Quaid como protagonista de Reagan: ídolo republicano (Crédito:Divulgação)

Conservadores

Outra figura que volta à cena em uma cinebiografia que promete inflamar Washington é Reagan, longa sobre a vida do ex-presidente Ronald Reagan. Interpretado por Dennis Quaid, narra a trajetória do ator medíocre que se deu bem ao ingressar na política. Conta desde sua infância até à Presidência, com ênfase em seu triunfo sobre a União Soviética no episódio conhecido como “guerra nas estrelas” — os países competiam pela conquista do espaço, até que a URSS desmoronou após a incapacidade financeira de acompanhar o rival.

A vitória norte-americana turbinou a popularidade de Reagan, que passou a ser visto como herói. O roteiro é baseado nos livros Deus e Ronald Reagan: Uma Vida Espiritual e O Cruzado: Ronald Reagan e a Queda do Comunismo, ambos de Paul Kengor.

Realidade ou ficção?

O Som da Liberdade, de Alejandro Gómez Monteverde tem roteiro inspirado em um personagem real, mas seu enredo se aproxima de uma delirante fantasia. A produção cristã, recusada pela Disney por ter sido considerada abaixo dos padrões do estúdio, vem faturando milhões nos EUA.

Conta a história de um ex-policial que sai em missão para salvar uma menina de traficantes de crianças. O personagem Tim Ballard, novo herói da direita norte-americana, é intepretado pelo ator Jim Caviezel, que fez o papel de Jesus em A Paixão de Cristo.

Ballard existe e é fundador da ONG Operation Underground Railroad (OUR), que realmente combate o tráfico de crianças. Mas, para especialistas a história da criança resgatada na selva colombiana não passa de propaganda.

Para piorar, o filme traz mensagens subliminares a favor da QAnon, teoria de conspiração que acusa democratas de serem adoradores do demônio, canibais e pedófilos. O movimento apóia Donald Trump, que tem elogiado o filme e a promoveu uma sessão para seus aliados.

Som da Liberdade: teorias da conspiração (Crédito:Divulgação)

A tendência também existe no Brasil. Marighella, de Wagner Moura, fez duras críticas à ditadura militar. Já Angela, sobre a vida de Angela Diniz, denuncia o feminícidio e defende a luta contra o machismo.

Até mesmo os sucessos recentes de Hollywood entraram nessa:
* Oppenheimer alerta contra os riscos das novas tecnologias;
* Barbie é um manifesto em favor do feminismo.

O cinema tem um poder inegável de moldar a opinião pública e influenciar a sociedade. A utilização de filmes como ferramentas políticas não é nova e, pelo jeito, continuará entre nós por muito tempo — e muitas eleições.