Brasil

7 de setembro: um desfile sem política?

Lula abriu o cofre para tentar abafar as chamas militar e política que dominaram as últimas comemorações do Dia da Independência do País. Presidente quer uma festa mais próxima do povo, como recado. Se será ouvido, só a evolução da crise em Brasília dirá

Crédito: Ricardo Stuckert/PR

Esquadrilha da Fumaça é aceno de espetáculo popular (Crédito: Ricardo Stuckert/PR)

Por Gabriela Rölke

Em 7 de setembro de 2019, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assistiu de sua cela, na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, ao desfile da Independência onde o mandatário de então, Jair Bolsonaro, acenava do Rolls-Royce presidencial e foi recepcionado no palanque pelo seu vice, o general Hamilton Mourão, e pelo algoz da prisão de Lula, Sergio Moro. Bolsonaro exaltou os brasileiros a “irem para as ruas, como nos anos 60, contra a radicalização ideológica, o comunismo e a corrupção”. Naquele momento Lula começou a desenhar o que seria a data, caso voltasse ao poder.

Eleições vencidas, Lula III abriu os cofres e autorizou orçamento dobrado em tentativa de afastar o aparelhamento com intenções política e militar da data. O timing não é adequado, já que Lula vive, em outra frente de batalha, embate com a falta de distinção entre onde começa a caserna e onde termina a sede dos Três Poderes. Conseguirá cumprir a anunciada missão de resgate do verde e amarelo para o povo e amenizar o clima com as Forças Armadas?

O plano do governo parte do slogan “Democracia, soberania e união”. A ideia é empurrar para debaixo do tapete os desfiles seguintes, aos que já acompanhou em liberdade, durante a gestão Bolsonaro.

Em 2020, o dia foi esvaziado pela pandemia em seu auge. Mas os descontos vieram em 2021, quando o capitão reformado chegou a chamar o ministro Alexandre de Moraes, do STF, de “canalha” e disse que não cumpriria mais suas determinações, tendo como cereja do bolo do ano a fatídica demonstração de tanques de guerra fumacentos. No ano passado, ele aproveitou a data para fazer campanha pela reeleição e convocou mais militares ao palanque de onde puxou o coro de “imbrochável”.

Lula deu a ordem para a Secretaria de Comunicação Social da Presidência despolitizar o evento a qualquer custo. Foram adotados quatro eixos estratégicos a serem abordados no desfile:
* paz e soberania;
* ciência e tecnologia;
* saúde e vacinação,
* defesa da Amazônia.

O presidente não esconde que quer “mais gala e espetáculo”, segundo integrantes do governo, e “menos ideologia”. É esperado público de 30 mil pessoas em Brasília. Falta apenas combinar com a ala bolsonarista do povo, que já anunciou a disposição para atos de protesto contra o governo e STF.

Caças colocados sob tapete por Bolsonaro voltarão a ser exibidos (Crédito:Bianca Viol)

Saias justas

A cerimônia, que em anos anteriores chegava a quatro horas de duração, será mais curta, em torno de duas horas. Por determinação do governo, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal não vão participar do desfile cívico.

Será mantida a tradicional apresentação da Esquadrilha da Fumaça, mas haverá espaço também para a exibição do caça sueco Gripen. O modelo, integrado à Força Aérea Brasileira pelas mãos dos governos petistas de Lula e Dilma Roussef, foi escondido pelo governo Bolsonaro em desfiles passados.

No dia 6 de setembro, véspera do desfile, Lula deverá fazer um pronunciamento à nação para exaltar as palavras-chave adotadas, “união” e “reconstrução nacional”.

em relação aos militares, o presidente quer usar sua conhecida habilidade política para tentar contornar a crise de identidade e de posicionamento que vivem. Em tentativa de mostrar que está tudo bem, ele convocou para o palanque os comandantes das três Forças: Tomás Paiva (Exército), Marcos Olsen (Marinha) e Marcelo Damasceno (Aeronáutica).

Mas a tensão não deve ser dissipada somente pelo encontro. Durante a semana, o governo enviou ao Congresso PEC (Proposta de Emenda à Constituição) com regras para impedir que militares da ativa disputem eleições ou assumam cargos no primeiro escalão do Poder Executivo.

O acordo vem sendo costurado há meses pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, junto aos comandantes militares. O 7 de Setembro ocorre em meio às investigações sobre o 8 de Janeiro.

Há fortes indícios de que militares das Forças Armadas ligados ao governo Bolsonaro tiveram participação na invasão e depredação da sede dos três Poderes, seja por ação ou omissão, e o Palácio do Planalto trabalha para tentar retomar a institucionalidade na situação com a caserna.

A relação estava estremecida por causa da desconfiança gerada nos primeiros meses de governo, quando também veio à tona o envolvimento de oficiais das FA no esquema da venda ilegal de joias presenteadas a Bolsonaro por nações estrangeiras.

O presidente Lula vem tentando um movimento de reaproximação e incluiu no PAC um polpudo cheque verde-oliva às forças de R$ 53 bilhões “em tecnologias estratégicas que garantem a soberania nacional”. Em comparação, o investimento previsto para a Educação soma R$ 45 bilhões e para a Saúde, R$ 30,5 bilhões.

Ordem é evitar a data como palco para manifestações partidárias (Crédito:Getty Images )

A própria cúpula militar reconhece que a celebração da data vinha sendo desvirtuada nos quatro últimos anos, quando Bolsonaro “transformou em político algo que é patriótico”, já que aproveitava o evento para realizar “comícios” para os quais “atraía multidões”.

“Houve um desvio. É uma data nacional, de importância histórica, que não poderia ter sido utilizada daquela forma”, avalia um militar ligado ao Alto Comando do Exército ouvido pela reportagem. “Palanque no meio de um monte de gente armada nunca é bom.”