Comportamento

O retorno da matinê

Baladas até o amanhecer dão lugar a atrações que começam cedo e têm hora para acabar. A mudança no comportamento e na preferência da juventude impulsiona o sucesso das festas diurnas e abre um novo espaço para o setor de eventos

Crédito: Divulgação

O dj Chapeleiro Maluco se apresenta na festa The Choice, em São Paulo. (Crédito: Divulgação)

Por Mirela Luiz

O panorama noturno brasileiro está passando por uma revolução silenciosa, capitaneada pelos gostos e preferências da geração Z e dos millennials. As festas que antes se estendiam até o amanhecer estão sendo eclipsadas por uma nova tendência: as matinês. Esse fenômeno, que ocorre durante o dia, tem encontrado cada vez mais adeptos não só entre os adolescentes, público costumaz desse tipo de evento, mas também junto aos jovens em busca de um estilo de vida permeado por conforto e bem-estar.

Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha proporcionou um importante insight sobre essa mudança cultural. Dos entrevistados entre 15 e 29 anos, residentes em 12 capitais brasileiras, 54% afirmaram não frequentar casas noturnas regularmente ou ir a elas apenas uma vez ao ano.

Esse dado revela uma transformação nos hábitos e nas preferências dos jovens, que agora priorizam eventos que oferecem uma experiência diferenciada, sem a necessidade de prolongar a diversão até altas horas da madrugada.

“Antigamente as matinês eram mais voltadas para o público adolescente. Agora, pessoas de todas as idades também acham bacana, pois podem aproveitar a parte cedo da noite, fazendo com que o dia seguinte seja interessante e proveitoso”, avalia Edu Araujo, sócio do Quartinho Bar, em Botafogo, Rio de Janeiro.

Gustavo Matsui dança em outra balada

Essa transformação também reflete uma busca por um estilo de vida equilibrado e saudável. Os jovens estão valorizando seu bem-estar, procurando momentos de descanso e recuperação. Optando por festas que têm início durante o dia e horário estabelecido para o encerramento, eles podem aproveitar a diversão sem comprometer seu sono e abalar a saúde física e mental. “Acho que por ter 29 anos acabo fugindo um pouco da estatística das pessoas que gostam de ser ‘inimigas do fim’ e voltar de manhã para casa”, declara o relações públicas Felipe Rufino.

Outro ponto de grande relevância é a preocupação com a segurança. As festas noturnas frequentemente estão associadas ao consumo excessivo de álcool e drogas, o que pode levar a situações potencialmente perigosas. Por sua vez, as matinês proporcionam um ambiente mais controlado e seguro, reduzindo os riscos de incidentes e garantindo a tranquilidade dos participantes.

Frente a esse novo contexto, empresários do setor de entretenimento têm voltado suas atenções para as matinês, investindo em festas temáticas e diferenciadas, que atraem um público ávido por novas experiências.

Bruno Enrike, CEO da BEMKT, responsável pela Balada Royalle, uma das matinês voltadas para adolescentes até 17 anos e uma das mais antigas do País – existe desde 2004 –, conta que acompanhou as diversas modificações das gerações que frequentam sua festa ao longo dessas quase duas décadas, para poder se adaptar aos gostos e costumes e não desaparecer. “A @baladaroyalle é uma festa para duas mil pessoas que acontece uma vez por mês no bairro paulistano de Moema e em Florianópolis para 300 pessoas, todas voltadas a adolescentes”.

Essas festas diurnas se destacam pela atmosfera descontraída, música animada e por uma infinidade de atividades interativas, tornando-se uma opção irresistível para os que desejam se desconectar da rotina e se divertir de maneira harmoniosa.

“Praticamente vou a uma festa desse tipo todo final de semana. Mas meu limite de bateria social sempre acaba às duas horas da manhã, horário que a maioria está indo e eu estou voltando”, diz Felipe Rufino.

Sai a música eletrônica de cena e entram o rap e o trap para comandar as pistas de dança (Crédito:Divulgação Royalle)

Nova geração

No caso das festas voltadas especificamente para menores de idade não são permitidos bebidas alcoólicas, cigarros, vapes — antes de os adolescentes entrarem na festa passam por uma revista. “Eu gosto dos artistas que vão e a experiência que a gente vive lá. É uma energia muito boa, todos dançando, curtindo, cantando, é muito bom”, diz Gustavo Matsui, 14 anos, estudante do 8º ano do ensino fundamental.

A indústria do entretenimento deve estar atenta a tais mudanças e se adaptar à nova realidade. Acompanhar as tendências e oferecer experiências diferenciadas, que atendam aos anseios e interesses dos jovens, será essencial para conquistar e fidelizar o público. Alex Pedroso Alves, sócio proprietário da The Choice, outra matinê para adolescentes, conta que começou com sua festa em 2010 e, desde então, o que mudou foi o interesse pelo ritmo musical.

“A música eletrônica era muito mais predominante, hoje eles gostam do Trap”, explica ele. As novas matinês vieram para romper a concepção que a diversão só pode acontecer durante a noite e mostrar que a felicidade não possui horários definidos.