Internacional

Fast food sim, mas à francesa

Inspirados no modelo americano, novos pontos de venda se espalham na França, como drive-thrus de baguetes e croissants. Mas tudo com sotaque francês: atentos à exigência da preparação artesanal, eles respeitam a tradição das boulangeries, que pontuam o dia a dia da população

Crédito:  Divulgação/Cyril Avert

Posto de drive-thru da boulangerie Cyril Avert, na cidade de Chartres, a sudoeste de Paris (Crédito: Divulgação/Cyril Avert)

Por Denise Mirás

Para os franceses, o pão passou de gênero de primeira necessidade para produto a ser degustado: se na Segunda Guerra Mundial o consumo individual diário batia em 900 gramas, hoje o cálculo está em um décimo disso. Mas se as boulangeries seguem como instituição, com as infalíveis idas e vindas diárias dos clientes pelas ruas dos bairros, também sofrem para manter a máxima simbólica de “uma baguete, um franco” dos anos 1970.

Com a alta da energia e do trigo — em boa parte consequência da guerra na Ucrânia —, custos são repassados a outros produtos e também surgem pontos de venda em drive-thrus (service au volant, em francês) e máquinas automáticas, ou serviços de delivery, em número crescente pelo país. Para os franceses, ok… desde que baguetes, croissants, pains au chocolat, quiches e sanduíches oferecidos continuem sendo produzidos artesanalmente.

De acordo com a Confederação Nacional da Padaria e Pastelaria Francesa (CNBPF, na sigla em francês), os franceses seguem exigentes com relação aos pães, mesmo se colocados à venda como “fast food”.

A qualidade da baguete, por exemplo, precisa ser mantida até por regras estabelecidas em lei de 1993 — ainda mais depois do mais tradicional dos pães franceses ter se tornado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco, em 2022.

É assim que as boulangeries estão se equilibrando no país, segundo estudo do grupo Altares: em 2022, 2.538 foram abertas, contra 2.527 fechadas.

Vending-machines da MaBaguette atendem clientes garantindo produtos “robustos e confiáveis” (Crédito:Divulgação)

François Weigel, professor de Literatura e Língua Francesas na UFRJ, conta que a cultura da padaria é muito forte no país e sua quantidade é enorme, “às vezes com três na mesma rua, até com uma em frente à outra”, e que “o francês vai muito à boulangerie, em qualquer horário”. Assim:
* pela manhã, é “cultural” comprar doces, como um croissant ou pain au chocolate, segundo Weigel. “Nesse horário, é muito raro o francês comer salgado. Baguete vai, mas com geleia, ou mel.”
* No almoço, em vez de se cozinhar em casa, está mais comum comer sanduíches, como o Parisien, com manteiga e presunto, e opções como o indiano ou o vegetariano, ou quiche com salada, continua o professor.
* À noite, depois de uma sopa, o francês come queijos — “e nunca sem pão”.

Wigel diz que existe mesmo “uma recusa, ou uma crítica” ao consumo do fast food dos americanos, à comida industrializada. Assim, sobre os novos pontos de venda de produtos, Weigel observa que, “com a corda no pescoço, as boulangeries partem para a diversificação de mercado, de possibilidades”, mas sabendo que precisam manter valorizado o artesanal.

Curiosos e exigentes

Para a CNBPF, os franceses se mostram mais curiosos sobre novidades com ingredientes, como os chamados “biológicos”, métodos de panificação e padarias que passam a oferecer produtos agroalimentares.

E estão mais abertos em relação ao consumo de pizzas, sanduíches e salgados em geral, distribuídos nos novos pontos de venda, principalmente no entorno das cidades e em estradas.

Há quem especule a relação de aumento no uso de carros (hoje há pelo menos um em 82% das casas, pela necessidade de deslocamento a locais de trabalho mais distantes) e o crescimento de pontos de drive-thrus com pães e doces artesanais que se espalham pelo país.

Chico Ferreira, chef e sócio do Le Jazz, restaurante paulistano que em março abriu sua boulangerie, destaca que o hábito de passar em padaria pontua o dia do francês, com idas pela manhã, na hora do almoço, na volta do trabalho e mesmo com crianças comprando pain au chocolat na saída da escola, à tarde.

“Os franceses também levam doces especiais, se vão jantar na casa de alguém. Faz parte da cultura”, observa.

Para ele, os novos pontos de venda de produtos artesanais podem ser relacionados “a uma guerra de preços que as padarias enfrentam com as grandes redes, como o Carrefour, que têm panificação interna mesmo com o pão industrial sendo mal visto”.

Pelos dados da CNBPF, ainda que diversificadas as opções, a maioria dos clientes demonstra apego à tradição: as padarias artesanais ainda são responsáveis por 60% das vendas de pães na França, contra 31% de terminais como drive-thrus e apenas 9% das redes de supermercados.