Coluna

Tempus fugit

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Mentor Neto: "No tempo presente, não entendemos ou percebemos essa nossa capacidade de repetir o passado por meio do voto. Durante décadas o mundo colecionou políticos ignorantes, corruptos e mesquinhos" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Na música “Tempo Rei”, os dois primeiros versos de Gilberto Gil afirmam:

Não me iludo.

Tudo permanecerá do jeito que tem sido.

Em “Oração ao Tempo”, Caetano Veloso conclui cada estrofe com a anáfora:

Tempo, tempo, tempo, tempo.

Uma poética sugestão da passagem implacável daquela dimensão que, ao contrário do caótico espaço, só avança em uma única direção.

Veja que interessante início de artigo.

Começa com um instigante título em latim e em apenas um punhado de linhas passa pela música popular, dá um exemplo de anáfora (confesso que essa tive que procurar no dicionário) e conclui com uma referência à Teoria da Relatividade.

Tudo isso para quê?

Para demonstrar a você, leitor que teve a paciência de chegar até aqui, que esse minuto de sua vida não foi em vão, já que é difícil perceber as consequências dos fatos que se repetem a cada segundo.

O tempo passa, dizia o imortal Fiori Giiotti em suas narrações ao longo de dez Copas do Mundo.

O tempo passa e traz consequências que, às vezes, não nos damos conta.

Um exemplo: entre os anos 1996 e 2006, foi moda entre os habitantes da Flórida importar um peculiar bichinho de estimação da Ásia: as cobras píton.

Mais de 100.000 desses bichos foram trazidos para a região de Miami e Orlando naquele período.

Ocorre que a esmagadora maioria dos proprietários desses animais não sabia que o fofo bichinho pode crescer até alcançar 4 metros de comprimento.

Quando descobriram esse percalço, muitos desses animais foram simplesmente abandonados nos pântanos da região.

Hoje as pítons da Flórida, sem inimigos naturais, se transformaram numa das três espécies de animais que crescem descontroladamente no mundo. Tanto que o órgão de controle de pragas americano, em um ano, matou mais de 8.000 desses bichos.

Uma praga que ameaça de extinção de 75 espécies locais.

Resultado do que?

Do tempo, que passa.

Passa e nos modifica, em ciclos.

Quem cresceu nos anos 1960 e 1970 teve a oportunidade de viver tempos de mudanças.

Tempo de hippies. Tempo de feminismo raiz. Tempo de Beatles. Tempo de buscar novas formas de consciência. Tempo de LSD.

Tempo de tropicalismo. Tempo de novas bandeiras.

O tempo passa.

Os anos 80 e 90 trouxeram uma outra realidade.

Tempo de crises financeiras. De menos dinheiro e mais esperanças. Tempo de yuppies. Tempo de angústias. Tempo de cocaína.

Vieram a primeira e segunda décadas do século XXI e trouxeram uma nova cepa de seres humanos. Os Millennials e os GenZ.

Novas gerações trouxeram outros desafios.

O tempo foge e dá volta na lógica das mudanças

Tempo de lutar pelas minorias. Tempo de diversidade. Tempo de igualdade.

Tempo, tempo, tempo, tempo, repete e amplifica nossos erros e acertos.

Prova disso é que, no tempo atual, a epidemia da extrema direita na Europa, do Trumpismo, do Bolsonarismo, agora atingiu a Argentina com o candidato Javier Milei.

O tempo trouxe de volta nosso passado. Trouxe de volta o reacionarismo (pleonasmo intencional).

No tempo presente, não entendemos ou percebemos essa nossa capacidade de repetir o passado por meio do voto.
Durante décadas o mundo colecionou políticos ignorantes, corruptos e mesquinhos.

Não só em Brasília, mas globalmente, esses animais peçonhentos foram abandonados de qualquer vigilância.
Se reproduziram e levaram a ética, a moral e a honra à extinção.

Hoje se transformaram numa praga prontos para extinguir nosso futuro, nossos sonhos e até as conquistas de nosso passado.
No pântano da ignorância, se reproduzem as pítons da política.

Há quem pense que um novo tempo de novos governos pode trazer a mudança.

Que basta dar tempo ao tempo.

Já eu, não me iludo.

Tudo permanecerá do jeito que tem sido.