Comportamento

O elo perdido de 230 milhões de anos

Fóssil de réptil pré-histórico ancestral dos pterossauros é descoberto em sítio arqueológico no interior do Rio Grande do Sul

Crédito: Caio Fantini

Venetoraptor Gassenae: descoberta pode elucidar a transição entre bípedes e dinossauros voadores (Crédito: Caio Fantini)

Por Carlos Eduardo Fraga*

Os fragmentos de ossos do réptil foram descobertos durante uma visita ao Geoparque Quarta Colônia, em São João do Polêsine, no Rio Grande do Sul. A região já é conhecida dos pesquisadores pelo alto número de fósseis encontrados nos últimos anos. O paleontólogo Rodrigo Muller, porém, não tinha noção da dimensão do impacto de sua descoberta na comunidade científica: mais de cinquenta fragmentos do crânio, bico e fêmur foram associados ao Venetoraptor Gassenae, réptil que viveu há cerca de 230 milhões de anos.

O animal possuía várias peculiaridades, entre elas o bico similar ao das aves de rapina, que usava para rasgar a carne de suas presas. Suas longas e afiadas garras em forma de foice lhe tornaram capaz de escalar árvores. Pesava de 4 a 8 quilos e era bípede.

Publicada na revista científica Nature, a descoberta contou com a participação de pesquisadores brasileiros, norte-americanos e argentinos, e foi considerada um acontecimento histórico para a ciência.

Paleontólogo Rodrigo Muller: achado preenche lacuna de conhecimento (Crédito:Janaína Brand Dillmann)

Segundo Muller, o Venetoraptor Gassenae deu origem ao pterossauro, dinossauro voador que viveu na Era Mesozóica, há cerca de 160 milhões de anos. “Um dos grandes problemas que tínhamos é que todos os fósseis dessa espécie eram incompletos e mal preservados. Ocorria uma lacuna do conhecimento a respeito do processo de evolução desses répteis”, afirma o pesquisador.

“O Venetoraptor tem o dedo mais longo que os outros. Essa e outras características o posicionam como integrante da família dos pterossauros. Não sabíamos como a mão desses animais evoluiu até se tornar uma asa, ou seja, como ele passou de bípede a voador.”

De acordo com Luiz Anelli, paleontólogo, professor do Instituto de Geociências e diretor da Estação Ciência da Universidade de São Paulo (USP), o Venetoraptor Gassenae é mais uma peça do quebra-cabeça que a paleontologia tenta montar para explicar a origem dos pterossauros.

“Fósseis que mostram as mudanças evolutivas de animais não-voadores para voadores são muito raros. Quase nunca vemos a transição. Assim como os morcegos, que aparecem nas rochas já como animais voadores, pouco se sabia sobre a origem dos pterossauros”, diz Anelli.

“Essa descoberta é o maior farol que já iluminou a escuridão que cercava o mistério da origem dos répteis voadores.”
Luiz Anelli, paleontólogo, professor da USP

Anelli acrescenta: “É um tesouro da pré-história brasileira, um fóssil transicional estudado por cientistas das nossas universidades. E hoje está na capa da revista de ciência mais importante do mundo”, celebra.

*Estagiário sob supervisão de Luiz Cesar Pimentel