Cultura

MPB revisitada: artistas se entregam de corpo e alma a repertório do passado

Artistas apostam na regravação de clássicos da música popular brasileira e conquistam o público com versões bem diferentes das originais

Crédito: Marcus Steinmeyer

Ana Cañas: sucesso de live gerou disco 'Ana Cañas Canta Belchior', bancado pelos fãs (Crédito: Marcus Steinmeyer)

Por Felipe Machado

A ideia de regravar o repertório de artistas consagrados é uma tradição que volta à moda — e faz sucesso. A tendência vem lançando luz sobre clássicos do passado, por meio da releitura de canções icônicas feita sob medida para as novas audiências. Por meio de ritmos e arranjos atualizados, essas versões acabam por comprovar a atemporalidade e a versatilidade dessas pérolas musicais — e garantem bom status a esses lançamentos.

A cantora e compositora paulista Ana Cañas foi uma das primeiras a chamar a atenção para a ponte musical entre as gerações. Em seu novo álbum, Ana Cañas Canta Belchior, ela interpreta com personalidade os sucessos do cantor cearense que brilhou nos anos 1970 com “Apenas um Rapaz Latino-Americano”, do álbum Alucinação.

O projeto teve início em 2020, ainda na pandemia. Ana cantou esse repertório em uma live, sem muitas pretensões, e o resultado foi surpreendente: a audiência ultrapassou meio milhão de visualizações no Youtube. A repercussão foi tão grande que ela bancou o disco por meio de uma vaquinha online, patrocinada pelos fãs.

Bebel interpreta João Gilberto: declaração de amor ao criador da bossa nova (Crédito:Bob Wolfenson)

Ao contrário dos arranjos orquestrados de Belchior, a artista e o produtor Fabá Jimenez optaram por uma abordagem minimalista.

“Acho que o fato de ter poucos elementos acaba por ressaltar a voz e a interpretação”, diz Ana. “As músicas versam geralmente sobre paixão, catarse e reflexão social. Apesar de muitas metáforas e poesia, também traz uma literatura direta e acessível. É um universo bastante complexo e há que se despir para mergulhar nele.”

Outra artista que decidiu regravar um clássico da MPB é Bebel Gilberto — embora seu caso seja bem diferente de Ana Cañas. A carioca lança João, tributo a João Gilberto, seu pai e um dos criadores da bossa nova. O disco em homenagem ao músico que faleceu em 2019 é delicado e emocionante, e sua concepção levou um bom tempo para tornar-se realidade.

“Eu pressentia que só conseguiria fazer isso quando meu pai [João Gilberto] não estivesse mais por perto.”
Bebel Gilberto

Bebel segue: “Esse momento finalmente chegou e agora pude fazer do meu jeito. Escolhi covers de músicas que nunca pensei que faria. Pela primeira vez, estou interpretando as músicas dele e revelando como elas me marcaram. São canções que ouvi durante toda a minha infância, uma escolha de repertório afetiva. Não me prendi somente aos clássicos.”

Mergulhar nessas memórias fez de João um álbum permeado de emoção. “É um tributo, mas também me sinto atuando como criadora”, conclui.

Interpretar as canções de Caetano Veloso em ritmo de samba poderia soar como heresia para os mais puristas. No álbum Xande Canta Caetano, porém, o ouvinte é transportado para uma viagem artística que transcende estilos e deve agradar a gregos e troianos — puristas e modernos, no caso. O sambista carioca entrega uma visão tão original e de qualidade, que provoca até um entendimento diferente da forma como vemos os sucessos de Caetano.

A divisão rítmica dos versos torna popular a linguagem muitas vezes complexa do compositor baiano. O resultado é um disco que homenageia tanto o passado quanto o presente da MPB, nesse que certamente estará nas listas dos melhores de 2023.

Desde os primeiros acordes, é evidente que Xande se entregou de corpo e alma a esse projeto. Cada nota, cada inflexão vocal, é cuidadosamente elaborada para capturar a essência única de cada canção de Caetano.

A interpretação do cantor dá vida a cada palavra, transportando o ouvinte para uma jornada emocional e introspectiva. Importante ressaltar que ele não se limita a uma simples homenagem.

Desafia os limites do intérprete, adicionando novas camadas de profundidade a músicas que já conhecemos há décadas. É como se ele estivesse desvendando os segredos do coração de Caetano, revelando nuances ocultas de letras tão conhecidas.

Além da habilidade musical, a voz de Xande é uma força da natureza. Sua capacidade de transitar entre tons suaves e poderosos é uma demonstração de sua maestria vocal.

Xande Canta Caetano: releitura muda até a percepcão das letras do compositor (Crédito: Possa)

Reinventar clássicos tem seus desafios, mas os artistas que estão fazendo isso com sucesso parecem compreender a essência das músicas que estão reinterpretando, ao mesmo tempo que incorporam suas vozes a elas.

O movimento prova que a música é mesmo um organismo vivo e pulsante, sempre capaz de evoluir.

A rápida escalada do cantor Jão

Ele começou cantando covers, mas logo passou a investir em material próprio. Na contramão dos artistas que investem em repertório alheio, Jão, talentoso cantor e compositor do interior de São Paulo, vem batendo todos os recordes com seu novo álbum, Super.

Com uma combinação original de letras profundas e batidas envolventes, ele aposta na fluidez de gêneros e marca seu nome como um dos mais promissores da nova cena.

Jão: 50 mil ingressos esgotados em apenas uma hora (Crédito:Divulgação)

A proposta deu certo: Super foi a melhor estreia da história do streaming Spotify Brasil, com mais de 8,5 milhões de plays em apenas 24 horas — na lista global da plataforma ele já ocupa o quinto lugar.

Jão acaba de anunciar uma turnê brasileira em catorze cidades, em estádios ou grandes arenas. Em São Paulo, os 50 mil ingressos colocados à venda para o show de 20 de janeiro, no Allianz Parque, se esgotaram em menos de uma hora — rapidamente foi marcada uma data extra no dia seguinte