Internacional

Argentinos mergulham no caos antes de eleger novo presidente

Vitória do radical Javier Milei nas primárias e possível dolarização aumentam a incerteza e radicalizam os problemas econômicos do país. Preços disparam, e governo enfrenta saques

Crédito: Juan Mabromata

Policial inspeciona supermercado em José C. Paz, subúrbio de Buenos Aires, que foi saqueado na última terça-feira, 22 (Crédito: Juan Mabromata)

Por Denise Mirás

O surpreendente triunfo do extremista Javier Milei nas primárias, no dia 13, agravou uma situação que já era dramática para os argentinos. Crises em ondas durante décadas, com desemprego ou subempregos por subsistência e sonhos como o da casa própria dissolvidos, deixaram 43% da população da Argentina entre o desânimo e o desespero: estimativas da Universidad Católica e da Torcuato Di Tella indicam 12,5 milhões passando fome no primeiro semestre de 2023. Ou um milhão a mais do que em 2022, por causa da inflação cada vez mais descontrolada, prevista para bater nos 150% até o fim do ano.

Os novos indicadores serão anunciados antes do primeiro turno das eleições gerais, marcado para o próximo dia 12 (um segundo, se necessário, seria em 19 de novembro). A incerteza piorou o ambiente. O governo entrou em alerta para coibir saques a supermercados que se iniciaram no último fim de semana, principalmente por subúrbios da Grande Buenos Aires e outras províncias como Córdoba, Mendoza e Neuquém, um quadro que deve piorar até a decisão sobre o presidente que substituirá Alberto Fernández.

Sergio Massa, ministro da Fazenda e candidato governista, diz que conseguiu US$ 7,5 bilhões do fundo (Crédito:Luis Robayo)

Ministro da Segurança Nacional, Aníbal Fernández anunciou um “comando específico”, com forças nacionais, para atuar contra atos de vandalismo que o governo diz serem “armados” para espalhar terror e teriam sido chamados por grupos de Whatsapp ligados à Libertad Avanza, partido de Milei, de extrema-direita.

A porta-voz do governo peronista, Gabriela Cerruti, declarou que os conflitos não eram promovidos pela população mais pobre e sim faziam parte de “uma operação que visa desestabilizar a democracia”.

Como para atestar a denúncia, a outra candidata da direita à Presidência, Patricia Bullrich, do partido Proposta Republicana, já se adiantou em pedir “Estado de Sítio”.

Milei alcançou o topo das primárias, com 30% dos eleitores embarcando no projeto de dolarização da economia alardeado pelo populista, dentre outras medidas alucinadas.

Outros 30% nem compareceram às urnas, apesar do voto ser obrigatório no país. Por esses números, as prévias revelaram o nível de indignação dos argentinos — que, já na sequência do anúncio dos resultados, viram preços aumentarem em mais de 20% nos supermercados, com o dólar chegando a 750 pesos no paralelo.

Violência nas ruas

A dificuldade maior, como observa Jordana Pedroso, brasileira que mora em Morón, província de Buenos Aires, fica para os desempregados e aqueles que vivem de subempregos, como confecção de bolos para vender, e nem conseguem comprar ingredientes.

“Nesta semana fui à farmácia e tinham tirado o preço de todos os produtos. O que fui ver custava 500 pesos e já me cobraram 800. Mas os argentinos se acostumaram a essas subidas rápidas, de até três vezes por semana. O salário mínimo é de 90 mil pesos, ou 2 mil por dia, e o quilo da carne está em 3 mil”, diz Jordana.

“As pessoas esperam pela promessa de dolarização do Milei, porque tudo já está cotado em dólares e o salário não acompanha a inflação. No câmbio oficial, só é permitido comprar 200 dólares por mês, com imposto, e então se recorre ao paralelo, que há tempos já passou do dobro. É uma situação muito complicada.”

Javier Milei, o candidato da extrema-direita: para os governistas, ele estaria por trás da onda de saques alimentando o medo (Crédito:Natacha Pisarenko)

Para Alejandro Simonoff, professor de História Contemporânea na Universidade de La Plata, a atividade econômica atingiu nível muito baixo, por vários fatores que vão de internacionais a domésticos e as dificuldades se acumulam a ponto de afetarem as necessidades básicas das pessoas.

Existem planos de apoio aos mais carentes, com critérios como número de filhos, mas que são insuficientes, como afirma o professor, assim como empregos gerados, que são precários. “No geral, os argentinos estão ensimesmados, cada um pensando apenas em si. Não existem subsídios realistas, mas apenas ínfimos, para gêneros de necessidade básica, pelo Programa de Precios Cuidados. E o comportamento dos empresários é ambíguo”, diz.

Assim, os US$ 7,5 bilhões no FMI que o candidato governista, o ministro da Fazenda Sergio Massa, disse que obteve do fundo, serão insuficientes para recuperar salários. “Servirá apenas como certo alívio. Nada que estabilize a economia.”

Para o argentino Martín Alberti Amil, vive-se esperando os próximos aumentos, a cada dia. “O peso só cai, o salário se deteriora porque não acompanha a inflação, que já se calcula em 190%. Por isso, ou se troca de marcas ou se deixa de comprar. E a violência aumenta nas ruas. Essa é outra preocupação.”

Ainda assim, para ele as eleições não estão definidas porque alianças ainda estão se delineando para o primeiro turno em outubro. “O clima é de incertezas.”