Comportamento

A Índia está na Lua

Nave indiana é a primeira no mundo a pousar no Polo Sul lunar, região inexplorada do satélite natural da Terra — a chamada face oculta. O país entra assim para o seleto clube de potências espaciais

Crédito: Divulgação

A missão não-tripulada indiana Chandrayaan-3 coloca o país entre os principais atores mundiais na conquista do cosmo (Crédito: Divulgação)

Por Alan Rodrigues

“Conseguimos um pouso suave, a Índia está na Lua.” Ao pronunciar essas palavras, pouco depois de 9h33 de Brasília (17h33 no horário local) da quarta-feira 23, o presidente da Indian Space Research Organization (ISRO), espécie de Nasa local, Sreedhara Panicker Somanath, fincou a bandeira tricolor do país asiático ao lado das chinesa, russa e norte-americana, como quarta nação a atingir o objetivo.

O módulo não-tripulado Chandrayaan-3, lançado em 14 de julho, deflagrou festa entre o 1,4 bilhão de indianos na mesma semana em que a Rússia lamentava o fracasso de operação semelhante.

“Cientistas e autoridades bateram palmas, aplaudiram e se abraçaram quando a espaçonave pousou na Lua e as pessoas em toda a Índia começaram a comemorar, soltando fogos de artifício e dançando nas ruas”, diz o comunicado da ISRO.

“Chegamos aonde nenhum outro país conseguiu”, comemorou Narendra Modi, primeiro-ministro do país. Ele se refere ao Polo Sul lunar, reforçando o ineditismo da conquista.

Desde a Guerra Fria (1957-1975), quando os EUA e a então União Soviética começaram a disputar a hegemonia na exploração do espaço, o mundo não assistia a uma corrida tão acirrada como agora.

Porém, a disputa da vez envolve outras nações como a própria Índia, Israel e Japão. O triunfo da missão indiana consolida o status do país como superpotência global no espaço.

Já faz alguns anos que países e empresas privadas disputam a chegada ao Polo Sul do astro. “Este é um momento sem precedentes. É o instante de uma nova Índia em desenvolvimento”, disse o primeiro-ministro. A Chandrayaan-3 – “nave lunar”, em sânscrito – possui um módulo de pouso denominado Vikram, que significa “coragem”, no mesmo idioma, e um robô móvel chamado Pragyan, o termo para “sabedoria”.

A missão espacial não-tripulada entrou na órbita lunar em 5 de agosto. No interior da sonda está o rover Pragyan, um veículo de seis rodas, que, se tudo correr conforme o planejado, percorrerá a superfície lunar coletando imagens e dados.

Nova Delhi, capital da Índia: a população comemora o pouso da Chandrayaan-3 na superfície lunar (Crédito:R. Satish Babu/ AFP)

Um dos objetivos da missão é verificar a existência de água no satélite natural da Terra, tanto na forma de gelo como de hydroxyl, composto formado por uma molécula de oxigênio e uma de hidrogênio.

O professor Anu Ojha, diretor da Agência Espacial do Reino Unido, disse: “O pouso bem-sucedido é mais uma evidência de que estamos vivendo em uma nova era espacial, com agências e empresas de todo o mundo mirando na Lua e além”.

O programa da Índia tem orçamento relativamente modesto. A missão custou US$ 74,6 milhões (cerca de R$ 370 milhões), segundo comunicado oficial, valor bastante inferior ao de outros países.

R$ 370 milhões é o valor do programa aeroespacial da Índia, muito inferior aos gastos de outros países

Nessa nova odisseia espacial, a conquista científica da Índia, em sua terceira missão lunar, acontece quatro dias depois do fracasso da Rússia de tocar a mesma superfície com a nave Luna-25.

Especialistas são unânimes em afirmar que a superfície polar da Lua é um terreno traiçoeiro com grandes crateras e encostas íngremes. Algumas dessas depressões do terreno não recebem luz solar há bilhões de anos, levando a temperaturas extremamente baixas, que chegam a -203°C, tornando muito difícil operar os instrumentos.

Chegar à região Polar Sul — local jamais visitado por cientistas de outros cantos do mundo — é uma missão ambiciosa.

Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia: “Chegamos aonde nenhum outro país conseguiu” (Crédito:Emmanuele Contini)

Superpotência global

Os tempos não têm sido fáceis para os cientistas desvendarem os mistérios da Lua. Diversas nações fracassaram em suas ambições.

Em 2019, uma sonda da Índia falhou, assim como uma missão israelense — a nave Beresheet chocou-se contra a superfície.

No dia 19 de agosto, foi a vez de os russos se darem mal. A espaçonave não-tripulada Luna-25 teve uma colisão depois de girar fora de controle. Era a primeira missão lunar russa depois de 47 anos fora da corrida espacial. Há quem diga que o fracasso ressalta o declínio pós-soviético.

A Índia está usando pesquisas do espaço e de outros lugares para resolver problemas. O programa local já ajudou a desenvolver tecnologias de satélite, comunicação e sensoriamento remoto e tem sido usado para medir os níveis de água subterrânea e prever o clima no país, que é propenso a ciclos de seca e de inundação.

O lado oculto lunar é a face voltada para longe da Terra — às vezes também chamado de “lado escuro da Lua”, porque pouco se sabe a respeito.

“Ainda precisamos de muito mais detalhes sobre onde e quanta água existe, e saber se toda ela está congelada”, explicou à BBC Akash Sinha, professor de Robótica Espacial na Universidade Shiv Nadar University, próxima à capital, Nova Delhi.