Um paulista otimista

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Mentor Neto: "Quem não gosta de uma boa história matutina?" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Sete da manhã. Estou sentado na padaria do bairro, tomando meu tradicional pingado com pão na chapa.

Na TV presa no teto, Rodrigo Bocardi indignado no Bom Dia São Paulo, apresenta uma história de violência ocorrida na madrugada da cidade.

A história é escabrosa. Vou poupá-los dos detalhes.

A padaria inteira prestou atenção à notícia. Por alguns segundos, ficam todos em silêncio.

Na mesa ao lado dois amigos comentam:

— Ô loco. Coisa horrível.

Dão um gole de café e um deles continua:

— Mas vou te contar um negócio. Acho São Paulo uma cidade bem tranquila. De verdade.

O amigo desconfia.

— Tô falando sério. São Paulo é uma cidade de gente pacífica!

O amigo discretamente olha em volta para ver se alguém concorda. Ninguém reage.

A violência normalizada que nos cerca*

— Olha, tem cidade por aí que açúcar emprestado e não devolvido se resolve na peixeira!

O amigo dá mais um gole no café.

— Se você não acredita, vou te contar o que aconteceu comigo outro dia.

Agora o sujeito atraiu a atenção não só do amigo quanto minha e de mais umas três mesas. Quem não gosta de uma boa história matutina?

Ele afasta a cadeira da mesa e se posiciona melhor para a audiência.

— Oito da manhã, faz umas três semanas, tava no meu carro indo pro trabalho, aqui mesmo, na rua de baixo, essa que dá na favela…quer dizer…na comunidade. Dia nublado, sem chuva. A rua, vocês sabem, é estreita, mas é mão dupla.

Na minha frente, tinha um ônibus parado no ponto, então formou trânsito na hora, claro.

Na mão oposta, uma fila de uns quinze carros espera o sinal mudar. Entendem? — todos entendem, agora os funcionários da padaria também se juntam à audiência.

— Pois bem. Muda o sinal, a faixa oposta começa a andar. A minha faixa ainda presa atrás do ônibus. Então, entre os carros que estão passando por mim, vejo que está vindo uma pick-up, com uns três ou quatro sujeitos na caçamba. Cada um segura alguma coisa, tipo umas pás ou vassouras. Na hora achei que eram, sei lá, pedreiros indo para o trabalho. —  a platéia agora está mais curiosa. O sujeito é bom para contar histórias. Modula o tom, cria suspense.

— O trânsito vai avançando lento e a pick-up chegando. Minha faixa continua parada. Então, olhando melhor, vejo que o que eles têm nas mãos não são ferramentas. São metralhadoras! — o sujeito olha um por um na audiência para se certificar que realmente entenderam.

— Agora estão a uns 15 metros. E meu carro não é blindado, que não tenho dinheiro para isso, mas li em algum lugar que o ponto mais seguro em um carro sem blindagem é o bloco do motor. Então me deito meio sem jeito no banco do passageiro e fico esperando as balas varando meu para-brisas Mas não atiram.

Só passam lentamente ao meu lado.

Pausa dramática.

Deu pra ver um dos sujeitos segurando sua metralhadora. – a audiência está tensa –, e lembro direitinho da cara dele quando me olhou deitado no banco, sorriu e gritou “bom dia playboy!” Vocês conseguem imaginar?

— Sinceridade? Se isso aqui fosse uma cidade violenta, eu tava morto…de verdade. Eu mesmo, no lugar desse sujeito seria capaz, só de farra, dar uns tiros pra assustar o gordinho cagão, no caso eu, deitado no banco — todos concordam.

— Então não me venha com essa que São Paulo é uma cidade violenta. É nada. São Paulo é uma cidade onde estranho ainda sorri para estranho, isso sim!

A audiência dispersa a atenção, aliviada, quando o sujeito encerra sua mensagem de esperança:

— Margarete, faz favor, trás mais um pão na chapa?

*Baseado numa história real.