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Faroeste à baiana: as operações policiais que dizimam civis

A Bahia supera o Rio de Janeiro em letalidade policial ao insistir em uma política de segurança fundamentada no uso das forças públicas de forma extremada e violenta. Pesquisadores apontam que por trás da matança há o racismo institucional

Crédito: Paula Fróes/Correio da Bahia

Em sete dias, PM baiana matou 31 pessoas em operações policiais na periferia de Salvador (Crédito: Paula Fróes/Correio da Bahia)

Por Gabriela Rölke

Chocou o País o saldo de 31 mortes decorrentes de operações policiais na periferia de Salvador e em cidades da região metropolitana da capital baiana entre 28 de julho e 4 de agosto. A carnificina veio à tona quando o estado de São Paulo ainda contabilizava os mortos da chacina do Guarujá, que deixou um rastro de 18 mortos e foi uma das operações mais letais da polícia paulista desde o massacre do Carandiru, em 1992. Mas no que diz respeito à Bahia, os números revelam uma dura realidade da violência da Polícia Militar estadual: dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que a Bahia assumiu a liderança do ranking de letalidade policial, ultrapassando o Rio de Janeiro.

Em 2022, a PM baiana matou 1.464 pessoas. No Rio, foram 1.330. “Na Bahia, se a gente fizer as contas, dá 122 mortes por mês, 28 por semana e quatro por dia”, alerta Samuel Vida, professor do curso de Direito da UFBA e coordenador do programa Direito e Relações Raciais da universidade. “Em algumas semanas de 2022, foram mortas mais do que 31 pessoas. Não é, portanto, o primeiro caso escandaloso de uma letalidade absurda e injustificada. Há uma sistemática”, diz.

Política de segurança pública da Bahia aposta no confronto e na alta letalidade (Crédito:Lunae Parracho)

A explosão do número de mortes em 2022 é o ápice de uma acentuada curva ascendente que teve início a partir de 2015, quando a PM da Bahia matou 334 pessoas.

Em sete anos, portanto, o índice de letalidade mais do que quadruplicou. “Os dados evidenciam a consolidação de uma política de segurança pública que aposta no confronto e na alta letalidade”, explica Samuel.

De acordo com ele, há, desde 2015, uma ênfase numa ação policial voltada para produzir esse tipo de resultado. Entre 2015 e 2022, a Bahia foi governada por Rui Costa (PT), hoje ministro da Casa Civil do governo Lula.

O professor diz que a adoção dessa política de segurança ficou clara ainda em 2015, com a chacina do Cabula, quando doze jovens com idades entre 15 e 28 anos foram mortos em uma operação policial na comunidade de Vila Moisés, em Salvador.

“O então governador Rui Costa elogiou a ação, o que funcionou como uma espécie de carta branca para a violência policial.”
Samuel Vida, professor do curso de Direito da UFBA

Durante seu governo, Costa também investiu na criação de novas unidades policiais especializadas em confronto, que utilizam armamento pesado, como fuzis, que, nas palavras do pesquisador, deixam um verdadeiro rastro de sangue como saldo das operações.

Em entrevista à GloboNews na segunda-feira, 14, Costa preferiu colocar em xeque o que chamou de “parâmetros” do levantamento de dados que constam no Anuário Brasileiro de Segurança Pública. “Eu não reconheço ONGs que fazem publicações sobre questão de segurança”, disse o ministro.

1.464 pessoas mortas em 2022
Mais letal que as PMs do Rio e São Paulo

O governo estadual mudou de mãos em janeiro, quando Jerônimo Rodrigues, também do PT, passou a ocupar o Palácio de Ondina, mas não há nenhum indicativo, até o momento, de que algo vá mudar na política de segurança pública estadual.

“A situação permanece absolutamente inalterada”, afirma Samuel. Sobre o recente episódio das 31 mortes na região metropolitana de Salvador, Jerônimo só se pronunciou nove dias depois do ocorrido, de forma protocolar.

Já a Secretaria de Segurança Pública afirmou, por meio de nota, que as pessoas mortas em confrontos com os policiais são “homicidas, traficantes, estupradores e assaltantes, entre outros criminosos”.

Pesquisadores da UFBA apontam uma incidência racial na letalidade policial. “As vítimas são jovens pretos, de 15 a 29 anos, baixa escolaridade e moradores das periferias de Salvador”, diz Rosana S. Moore, doutora em sociologia pela UERJ e pesquisadora do Laboratório de Humanidades Digitais da universidade baiana. “O racismo institucional desempenha um papel de primeira ordem na compreensão do porquê da preponderância da morte de jovens negros por agentes do sistema de segurança pública”, destaca.

Sucessor de Costa, Jerônimo Rodrigues promete câmeras na farda de policiais até dezembro (Crédito:Rafael Martins/SECOM)

“A política de segurança pública hoje no Brasil, com uma policialização extremada, violenta e letal, é servida a uma opinião pública intimidada, pressionada pela insegurança. Isso faz com que governos petistas sejam absolutamente indistintos dos demais no que tange à gestão da segurança.”
Samuel Vida, professor do curso de Direito da UFBA

“É preciso reconhecer que esse modelo falhou, não funciona, e que, portanto, é preciso rever e reorientar a ação policial.” A curto prazo, o que poderia ser feito desde já para diminuir a matança de civis é a instalação de câmeras corporais nos uniformes dos policiais.

Funcionou em São Paulo: desde 2020, o programa Olho Vivo, da Polícia Militar, fez despencar a letalidade policial.

Nos batalhões que aderiram às câmeras, houve uma redução de 76,2% no número de mortes em confrontos com agentes da lei. Não é pouca coisa. No caso da Bahia, mais de mil vidas poderiam ter sido poupadas em 2022.