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Apagão: Brasil fica sem energia e governo, sem respostas

Governo tenta encontrar argumentos políticos para atribuir a crise energética à privatização da Eletrobrás: o blecaute demorou para ser explicado e os petistas tentam responsabilizar a privatização da empresa pelo caos

Crédito: Istockphoto

Apagão energético: incompetência, sabotagem ou acidente? (Crédito: Istockphoto)

Por Samuel Nunes

Aconteceu de novo. Na última terça-feira, 15, todos os estados do País vivenciaram momentos de falta de energia por causa de um apagão que só não deixou todos no escuro por ter acontecido entre o início da manhã e a tarde daquele dia. Até o fechamento desta reportagem, não havia uma conclusão sobre o que gerou o problema. No entanto, membros do governo, na Esplanada dos Ministérios e no Congresso, já usam o episódio para retomar as críticas contra a privatização da Eletrobras, ex-estatal responsável pelo controle de boa parte das linhas de transmissão no País, sobretudo no Ceará, onde o aumento da demanda de energia pode ter provocado o blecaute. A ocorrência de apagões no País está longe de ser uma novidade. A exploração política em cima desses fatos, também não.

No governo Bolsonaro, o Brasil enfrentou um grave período de seca, que ajudou a esvaziar rapidamente os reservatórios das hidrelétricas, levando as contas de energia a entrarem na bandeira vermelha, que é cobrada como taxa extra para desestimular o consumo. Também passou por um apagão no Amapá que deixou quase toda a população do estado sem energia elétrica por 20 dias. Nos dois casos, Bolsonaro tentou responsabilizar empresas terceirizadas e a falta de gestão da Eletrobras para justificar os problemas. A situação amapaense, que foi a mais grave, até hoje segue sem punição efetiva aos que foram apontados como responsáveis.

Engenheiros do ONS acompanham, imobilizados, mais um blecaute, que deixou todo o País sem energia na última terça-feira: sem se saber as causas do incidente, culpa-se a privatização da Eletrobras. Leia aqui como foram outros apagões: falhas humanas e questões climáticas já criaram uma série de problemas ao sistema elétrico nacional. 1) Em 1999, durante o governo FHC, um blecaute deixou 10 estados e o DF sem energia por várias horas. O governo colocou a culpa na queda a um raio em uma torre de distribuição. 2) Por falta de chuvas e planejamento, em 2001 o Brasil encarou um racionamento que durou nove meses. 3) Sob Lula, em novembro de 2009, um temporal atingiu linhas de transmissão da Usina de Itaipu, gerando um apagão que atingiu 18 estados e o Paraguai. 4) Três meses depois, outro incidente deixou todos os estados do Nordeste sem energia, algo que se repetiu em 2013. 5) Em 2020, um incêndio em uma subestação deixou quase todo o Amapá às escuras. (Crédito:Roberto Rosa)

 

Agora, no governo Lula, o apagão, que atingiu 25 estados, já é a segunda crise registrada no setor elétrico.

A primeira foi logo depois da posse, quando houve a queda de torres de transmissão no Pará, entre os dias 8 e 9 de janeiro, junto às manifestações que levaram à depredação das sedes dos Três Poderes. À época, o Operador Nacional do Sistema (ONS) afirmou que havia indícios de vandalismo na derrubada das torres, mas não chegou a haver desabastecimento.

Na última terça-feira, pouco depois do ocorrido, a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, usou o Twitter para levantar a hipótese de uma possível sabotagem. “A Eletrobras foi privatizada em 2022. Era só esse o tuíte”, escreveu.

Em minutos, petistas começaram a embarcar na tese de que o apagão fora provocado por alguma falha intencional, com o objetivo de desestabilizar o País. “Faz tempo que não se falava em apagão e ele acontece justamente agora, depois de um período de desenvestimento que precedeu a privatização da Eletrobrás e foco nos ganhos financeiros, inclusive com a demissão em massa de empregados capacitados e preparados para atender a empresa. A gente cantou a pedra, privatização resultaria nisso. Energia é questão de segurança. Por isso, muitos países estão reestatizando suas empresas”, publicou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann nas redes sociais.

Sabotagem

O ministro da Justiça e Segurança Pública também não deixou de se posicionar. Flávio Dino afirmou que pedirá à Polícia Federal para que investigue as causas do apagão. Já o chefe de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também pedirá que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tente identificar o que provocou a queda de energia.

Silveira justificou o pedido de investigação por considerar que a possibilidade de acontecer um apagão dessa forma é muito baixa. “O que aconteceu hoje é extremamente raro que aconteça, porque nós temos um sistema redundante. Para acontecer um evento dessa magnitude, nós temos que ter tido dois eventos concomitantes, em linhas de transmissão de alta capacidade. Ou seja, é extremamente raro que aconteça o que aconteceu no episódio de hoje”, disse.

O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, é outro que tem levantado a possibilidade de sabotagem, apesar de ainda não haver elementos que possam corroborar essa versão.

“Não há razão para esse apagão, porque, em geral, a gente que viveu alguns apagões no Brasil foram períodos em que tínhamos crise de geração de energia, ou seja, reservatórios de água estavam em baixa, e você tinha mais demanda do que oferta de energia, o que levava ao colapso do sistema. Não é o caso neste momento. Nós estamos com sobra de energia”, disse.

No Congresso, as reações da oposição foram relativamente comedidas e tentaram esconder as crises no governo Bolsonaro. “Janja usa redes sociais para insinuar que apagão no Brasil ocorreu devido à privatização da Eletrobras. No governo Dilma, a empresa era pública e foram 244 apagões”, afirmou o líder da oposição na Câmara, deputado Carlos Jordy (PL-RJ).

“Pelo visto, infelizmente, o apagão de hoje foi só o primeiro”, afirmou em tom alarmista a senadora Damares Alves (Republicanos-DF).

“Se a ‘Esbanja’ quer dizer que o apagão de energia é culpa da privatização da Eletrobras, podemos dizer então que a falta de diesel no Brasil é culpa da Petrobras ser pública?”, questionou o deputado Gustavo Gayer (PL-GO).

Apesar das críticas, Alexandre Silveira afirmou que o País não corre risco de apagão por falta de água nos reservatórios das hidrelétricas – principal fonte de energia do país. Ao contrário, segundo ele, essa questão, por ora, está resolvida.

(Leo Pinheiro)

“É surpreendente que o dia tenha terminado sem que o Brasil soubesse onde e como começou o apagão de terça-feira.”
Luiz Eduardo Barata, ex-diretor da ONS

Ninguém sabe, ninguém viu

O problema, porém, é outro. Para o engenheiro Luiz Eduardo Barata, ex-diretor da ONS, o governo já deveria saber o que causou o apagão ou ao menos os detalhes gerais do que efetivamente aconteceu.

“É surpreendente que o dia tenha terminado sem que o Brasil soubesse onde e como começou o apagão desta terça-feira”, disse Barata.

O engenheiro afirmou que os sistemas da ONS conseguem detectar as anomalias em poucos minutos, indicando quais providências devem ser tomadas para restabelecer o fornecimento. “Para um apagão desse tamanho, não pode ter ocorrido o que chamamos de contingência simples – a saída de uma única linha. Um distúrbio dessa magnitude costuma ocorrer quando há simultaneidade de eventos. Quais foram ainda não disseram e isso é inacreditável”.

Barata descarta que o apagão tenha sido por causa da privatização da Eletrobrás e diz que a empresa era muito bem aparelhada quando ele estava na ONS. “Eu saí do ONS há três anos. Ele estava muito bem aparelhado. Em todos os grandes distúrbios, imediatamente após o evento a gente sabe onde começou e o que aconteceu”, afirmou o engenheiro à “Folha”.

Por trás do discurso de sabotagem, o governo Lula tenta novamente reacender a discussão sobre a reestatização da Eletrobras, privatizada sob a gestão Bolsonaro.

No ano passado, a maior parte da empresa foi entregue à iniciativa privada em um leilão que movimentou R$ 33,7 bilhões na B3, sendo a segunda maior transação do gênero, desde a mega oferta de ações da Petrobras, em 2010.

Ainda na campanha presidencial, Lula defendia que o leilão fosse anulado, por considerar que a venda geraria prejuízos à população.

Sem provas, Alexandre Silveira suspeita que possa ter havido sabotagem. O ministro precisou deixar às pressas solenidade no Paraguai na manhã de terça-feira, 15, onde estava, ao lado de Lula, para a posse do novo presidente paraguaio Santiago Peña e retornou ao Brasil para acompanhar a crise do novo blecaute. Até quinta-feira não se sabia, oficialmente, o que realmente aconteceu no sistema elétrico: uma situação inédita no setor (Crédito:Pedro Ladeira)