Cultura

Livro narra a história de um templo da literatura e de sua criadora, Sylvia Beach

Mesclando romance e biografia, a obra 'A Livreira de Paris' narra a história de Sylvia Beach, fundadora da lendária livraria Shakespeare and Company, em Paris, ponto de encontro de grandes escritores no início do século 20

Crédito: Sergio Hernán Gonzalez

Às margens do Rio Sena: reunião dos amantes de livros (Crédito: Sergio Hernán Gonzalez)

Por Felipe Machado

Paris, a cidade das luzes e dos amores eternos, viveu ao longo do século 20 um romance tórrido com as artes e a literatura. Entre as sisudas cadeiras de Sorbonne e os reluzentes sinos de Notre Dame, encontra-se um fruto desse período, um tesouro conhecido como Shakespeare and Company. Essa histórica livraria, ainda em funcionamento, está longe de ser apenas um lugar para adquirir livros: é um santuário para os amantes da literatura. Por trás de seu tradicional toldo verde, homenagem ao irlandês James Joyce, está a incrível história de sua fundadora, Sylvia Beach.

Em uma obra que combina romance e biografia, a norte-americana Keri Mahler conta em A Livreira de Paris a saga de Sylvia e sua livraria. Em 1919, a jovem de Nova Jersey chegou a Paris com um sonho: criar um refúgio para artistas e escritores.

Com sua personalidade vibrante e espírito aventureiro, Sylvia não apenas concretizou esse desejo, mas moldou a forma como vemos e percebemos as livrarias hoje em dia.

Em 1920, ela abriu as portas da Shakespeare and Company, especializada em obras em inglês. Contou com a ajuda de Adrienne Monnier, sua companheira na vida pessoal — o relacionamento entre as duas foi um escândalo para os padrões da época. Ainda assim, as duas mantiveram uma sólida ligação ao longo dos anos.

Em 1955, após ser diagnosticada com doença de Ménière, Adrienne tirou a própria vida. Sylvia faleceu em 1962, aos 75 anos.

O que tornava a livraria especial não eram apenas as estantes repletas de obras raras, mas a atmosfera acolhedora que envolvia os visitantes assim que se cruzavam à porta.

Sylvia estava determinada a criar um espaço onde escritores e leitores pudessem se sentir em casa — e alcançou o objetivo. Entre os frequentadores estavam nomes como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Ezra Pound e Gertrude Stein, boêmios que passavam as noites trocando ideias em busca de inspiração.

‘Não’ ao oficial nazista

O autor que teve a carreira mais fortemente associada à livraria foi o irlandês James Joyce, o melhor amigo de Sylvia. Quando o seu revolucionário Ulysses foi censurado nos EUA, acusado de linguagem obscena, ela abriu uma editora e publicou a obra em 1922, enfrentando desafios legais e financeiros.

Entre os diversos relatos saborosos do livro está um embate com os nazistas. Em 1941, durante a ocupação, um oficial alemão entrou no local e quis comprar uma cópia de Finnegans Wake, de Joyce. Sylvia se recusou a vendê-la. Furioso, o nazista avisou que voltaria para fechar a loja.

Ela comentou o episódio com os amigos, que se prontificaram a ajudá-la: carregaram os livros para o quarto andar de seu prédio e pintaram a fachada, confundindo a Gestapo. O acervo permaneceu escondido até o fim da guerra, quando foi então doado para a Biblioteca de Paris.

Após o fim da guerra, Sylvia não teve forças para reabrir a Shakespeare and Company original, mas sua influência continuou a ecoar.

Em 1951, George Whitman, um jovem americano apaixonado por livros, monta a livraria em homenagem a Sylvia e ao espírito que ela representava. A nova loja, a poucos quarteirões da original, herdou o nome e o seu legado: com o tempo passou também a receber a presença de autores consagrados e radicados em Paris, entre eles Allen Ginsberg, William Burroughs, Julio Cortázar, Henry Miller e Anaïs Nin. Whitman prestou outro tributo à antiga livreira: batizou sua filha com o seu nome.

Com a morte do livreiro, em 2011, a Shakespeare and Company passou a ser administrada, portanto, por Sylvia Whitman — ironia do destino ou poesia, é a combinação dos nomes de seus dois proprietários.

Hoje, ao entrar na Shakespeare and Company, os visitantes continuam a ser transportados para um mundo onde as palavras ganham vida e a história de Sylvia Beach e seus escritores ainda flutua no ar. É um lugar no qual os sonhos literários continuam a ser tecidos e o amor pela literatura é compartilhado por todos aqueles que têm a sorte de entrar por suas portas.

Templos da literatura ao redor do mundo

The Last Bookstore

EUA, Los Angeles: em forma de túnel, as obras fazem parte da estrutura das paredes

El Ateneo, Argentina

A livraria funciona no edifício do charmoso Teatro Grand Splendid, em Buenos Aires

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Acqua Alta, Itália

As pilhas de publicações ficam no nível dos canais. Localiza-se em Veneza

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