Cultura

Documentário disseca obra de Leonardo da Vinci: autêntico ou o maior golpe da História?

Filme levanta dúvidas sobre 'Salvator Mundi', quadro atribuído ao gênio renascentista Leonardo da Vinci e leiloado por US$ 450 milhões

Crédito: Tolga Akmen

'Salvator Mundi': exibido na National Gallery, em Londres, mas recusado pelo Louvre (Crédito: Tolga Akmen)

Por Felipe Machado

Desde a sua surpreendente descoberta em uma loja de antiguidades em Nova Orleans, nos EUA, até o seu destino nas mãos do príncipe da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman, a pintura Salvator Mundi tem sido uma fonte constante de fascínio e controvérsia no mundo da arte. Atribuída a Leonardo da Vinci em um processo de autenticação que permanece obscuro até hoje, a obra percorreu um caminho repleto de reviravoltas e debates apaixonados, chamando a atenção tanto para as maravilhas do Renascimento quanto para os problemas do mercado de arte contemporâneo.

Repleta de dúvidas e personagens curiosos, essa trajetória é tema do fascinante documentário dirigido pelo dinamarquês Andras Koefoed. The Last Leonardo, O Leonardo Desaparecido, disponível no streaming Amazon Prime, escreve mais um intrigante capítulo na história do gênio italiano.

Koefoed, com sua lente meticulosa, levanta mais dúvidas do que mostra certezas: Salvator Mundi pode tanto ser um dos maiores achados da história, quanto um dos golpes mais bem sucedidos de todos os tempos.

O filme, cuja edição deixa o longa com ares de thriller, traz como figura central, naturalmente, o próprio Da Vinci. Sua genialidade incontestável, ainda que envolta em uma aura de enigma, o transforma no protagonista ausente do longa. Koefoed, no entanto, não explora apenas as intrigas e segredos.

Toca em questões mais profundas sobre a própria natureza da arte e o valor que atribuímos a algo que, em última instância, é completamente subjetivo. A comercialização de um objeto dessa natureza passa por uma classificação totalmente abstrata, já que não existem parâmetros para medi-la. É isso que o filme nos obriga a questionar: a relevância — e validade — de se atribuir um preço à beleza, ressaltando o conflito constante entre o talento do artista e os envolvidos, ávidos por lucro.

A descoberta da pintura já nos faz imaginar uma cena de filme. Alexander Parish, especialista em vasculhar tesouros em pequenos antiquários, comprou o quadro por US$ 1.175 (cerca de R$ 5.800). Ele era atribuído a um seguidor de Da Vinci, aluno que copiava seu estilo. Parish e Robert Simon, seu sócio, contrataram Dianne Modestini, professora de História da Arte da Universidade de Nova York, para restaurá-lo.

Foi aí que ela notou semelhanças mais profundas com as pinceladas do próprio Da Vinci — ou, pelo menos, foi essa a tese que ela defendeu. O filme levanta dúvidas sobre sua honestidade, uma vez que ela receberia uma porcentagem nas futuras negociações.

O debate em torno da autenticidade de Salvator Mundi trouxe à tona outros especialistas, historiadores e colecionadores. Por anos, o mundo da arte se dividiu entre os que apontavam sua genuinidade e os que permaneciam céticos, atentos a detalhes técnicos e históricos que lançavam incertezas sobre a autoria.

Essa polarização tornou a obra ainda mais atraente e, inevitavelmente, inflacionou seu valor.

Sede da Christie’s em Nova York: a pintura mais cara da história (Crédito:Timothy A. Clary)

Bilionário saudita

A venda no leilão da Christie’s, em 2017, foi um momento disruptivo para os colecionadores. O preço tornou a pintura mais cara já leiloada, arrecadando US$ 450 milhões (cerca de R$ 2,2 bilhões).

Mas a alegria dos leiloeiros e dos vendedores foi rapidamente ofuscada por preocupações éticas e políticas. A identidade do comprador original permaneceu secreta por um tempo, mas logo foi revelado que o príncipe saudita era o responsável pela aquisição.

O fato desencadeou indignação no Ocidente, pois Mohammad bin Salman é vinculado a violações de direitos humanos e ao assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, crítico de seu governo.

Há outro elemento estranho em relação ao quadro: ninguém sabe onde ele está. Estima-se que esteja no Pegasus VIII, o megaiate do príncipe, avaliado em US$ 56 milhões.

Bin Salman negociou a exibição da obra na exposição que celebrou os 500 anos da morte de Da Vinci, no Louvre, em 2019. Mas o bilionário saudita e o museu francês não chegaram a um acordo: ele exigiu que Salvator Mundi fosse exposto na mesma sala que Mona Lisa, obra mais famosa do pintor italiano.

O Louvre não concordou — e, mais uma vez, como tudo que envolve a obra, a razão para a recusa continua um mistério.

Quanto vale a obra?

US$ 1.175
Alexander Parish comprou por esse valor no antiquário

US$ 450 Milhões
foi quanto Bin Salman pagou no histórico leilão de 2017