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Novo PAC: Brasil está pronto para crescer, mas economistas alertam para riscos

Projeto mais ambicioso do terceiro mandato de Lula, o novo PAC procura driblar a escassez de recursos públicos e os problemas das versões anteriores do programa. Agora, há mais ênfase em PPPs, colaboração com estados e sinergia com a iniciativa privada. Para a indústria deslanchar, no entanto,a Reforma Tributária ainda precisa virar realidade

Crédito: Istockphoto

Novo PAC, a terceira versão do Plano de Aceleração do Crescimento: foco no crescimento e nos empregos (Crédito: Istockphoto)

Por Marcos Strecker e Mirela Luiz

Em pouco mais de sete meses, o governo federal colheu vitórias inquestionáveis: afastou uma ameaça de golpe, refez as pontes com o Congresso, aprovou medidas que recolocaram a economia nos trilhos e reinseriu o País no cenário internacional com a pauta ambiental. É como se tivesse fincado as bases de um edifício em construção. Nesta sexta, 11, Lula apresentou o prédio. Em uma concorrida cerimônia para 800 convidados no Theatro Municipal do Rio, descortinou o Novo PAC, a terceira versão do Plano de Aceleração do Crescimento que pretende marcar a volta do crescimento e dos empregos.

Acompanharam a cerimônia ministros, governadores, prefeitos, parlamentares e empresários. Com o slogan “Desenvolvimento e Sustentabilidade”, o novo PAC tem foco em projetos de infraestrutura.

Deve reunir projetos em sete eixos temáticos:
* transportes,
* infraestrutura urbana,
* saneamento,
* inclusão digital e conectividade,
* transição e segurança energética,
* infraestrutura social,
* defesa.

No total, deverá englobar até 2 mil obras.

R$1 trilhão
É o valor que o governo estima aplicar no novo PAC ao longo de quatro anos, incluindo recursos do Orçamento, das estatais, de emendas parlamentares, fundos, bancos públicos e investidores privados

 

A costura de uma vitrine tão ambiciosa e sensível foi trabalhosa. O lançamento foi adiado pelo menos quatro vezes. O programa está sob a coordenação da Casa Civil, de Rui Costa, que teve o cuidado de se reunir com os 27 governadores, inclusive de oposição, junto com a secretária executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, para acertar as prioridades e alinhar projetos, além de garantir apoio amplo e o caráter nacional da iniciativa.

A lista de empreendimentos prioritários dos governadores tem cerca de 350 projetos.

A partir da última terça-feira, esse esforço também levou Costa e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a convocarem os diversos líderes partidários ao Palácio do Planalto.

A segunda dificuldade – na verdade, a maior – foi garantir recursos para bancar um conjunto tão grandioso em um momento de penúria nas contas públicas, quando Fernando Haddad tenta conter o déficit (a promessa é zerá-lo em 2024).

O governo diz que o PAC vai consumir R$ 1 trilhão ao longo do mandato. Apesar da cifra estratosférica, a parte que cabe ao Orçamento é de R$ 60 bilhões anuais (R$ 240 bilhões em quatro anos).

A maior parte dos recursos deve vir dos investimentos da Petrobras. A conta envolve ainda outras estatais, investimentos privados em concessões e também emendas dos congressistas (individuais e de bancada).

O governo conta que os parlamentares poderão contribuir com até R$ 35 bilhões no PAC em 2024.

Técnicos tiveram que procurar fontes de financiamento para as construtoras iniciarem os projetos, já que o setor está descapitalizado após a Lava Jato. Além de recursos do BNDES e do FGTS (administrado pela Caixa Econômica Federal), a ideia é usar fundos constitucionais e os fundos setoriais, como o da Marinha Mercante, que ficaram parados sob Bolsonaro.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de início das obras do primeiro lote da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) em Ilhéus, na Bahia, dia 3 de julho. Governo anunciou que era o primeiro lançamento do novo PAC (Crédito: Ricardo Stuckert/PR)

Recursos

Para evitar frustrações com falta de recursos, o governo pediu ao Congresso a retirada de R$ 5 bilhões da meta fiscal de 2024 para bancar gastos do PAC.

O governo também se esforça para modificar a norma alterando o cálculo da inflação que baliza o Orçamento, o que permitiria abrir espaço de até R$ 40 bilhões no Orçamento do próximo ano, além de criar as chamadas despesas condicionadas.

Por meio delas, seria possível iniciar obras do PAC mesmo sem a alocação de recursos. As manobras geram o receio de enfraquecimento do novo arcabouço fiscal, que ainda nem foi aprovado.

O PAC 1 ficou parcialmente de fora das regras fiscais, enquanto que o PAC2 terminou totalmente fora das obrigações orçamentárias, o que contribuiu para gerar a contabilidade criativa e desacreditar o governo na época.

O anúncio nesta sexta-feira também causou constrangimentos políticos. O presidente da Câmara, Arthur Lira, aguardava o desfecho da reforma ministerial e temia que seu indicado, André Fufuca (PP), tivesse a futura pasta (ainda incerta) “esvaziada” sem projetos do PAC.

Simone Tebet, ministra do Planejamento (Crédito:Evaristo Sa)

“A diferença deste PAC é que ele vem com uma regulação diferente do passado. Vê a iniciativa privada muito mais como um parceiro, com rentabilidade e protegido de riscos.”
Simone Tebet, ministra do Planejamento

Reunir o financiamento trilionário não foi o único desafio. O governo também precisou lidar com as frustrações que os PACs anteriores causaram. Milhares de canteiros de obras acabaram paralisados e projetos faraônicos viraram micos.

Desta vez, a prioridade é retomar obras paradas. Rui Costa, que está à frente do programa, também é um dos petistas que mais defendem a parceria do setor público com investidores privados.

Significativamente, o Novo PAC será amplamente baseado em parcerias público-privadas (PPPs).

“A diferença deste PAC é que ele vem com uma regulação diferente do passado. Vê a iniciativa privada muito mais como parceira, criando condições diante da experiência do passado. Permite que a iniciativa privada possa efetivamente ter sua rentabilidade e esteja protegida de possíveis riscos”, defende a ministra do Planejamento, Simone Tebet.

Mas é preciso acompanhar a evolução. Com os problemas do PAC 2, evoluiu-se para o modelo do PPI (Programa de Parceria e Investimentos), que articulou os projetos de concessão e privatização entre diversos órgãos, como as agências reguladoras, e instituições de controle, como o Tribunal de Conta da União (TCU), o que deu celeridade e segurança para os projetos.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, será o coordenador do novo PAC. Ele se reuniu com os 27 governadores para alinhar projetos nos estados (Crédito:Edilson Rodrigues)

Prioridades

Presidente-executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDIB), Venilton Tadini defende a importância do programa e diz que ele está com as diretrizes adequadas. “É importantíssimo que se tenha um programa dessa dimensão com planejamento e racionalidade de execução. Agora esperamos ver quais os projetos e qual a priorização.”

Ele reforça que uma das questões fundamentais é terminar as obras inacabadas, que representam um ônus enorme ao Tesouro. “É preciso um cronograma de execução para essas obras, porque o maior custo que se tem é mantê-las paradas”, acrescenta.

Para ele, “o PAC 1 foi uma primeira tentativa de planejamento articulado de projetos com participação pública. De lá para cá, houve um grande avanço do ponto de vista qualitativo, na capacitação técnica e nas articulações dos órgãos públicos”.

Segundo ele, “a partir de 2016, com o PPI, houve uma melhora de mitigação de riscos de qualificação de estudos técnicos, de avaliação de demanda e assim por diante. Isso permitiu um avanço significativo na qualidade de estruturação de projetos.”

Responsável pela elaboração do Orçamento, Simone Tebet nega que restrições orçamentárias possam atrapalhar o programa.

“O novo PAC nada mais é do que todos os investimentos que faríamos nos ministérios, acrescidos de um valor para que possamos por meio das pastas incorporar os investimentos públicos.”
Simone Tebet, ministra do Planejamento

Resta saber se o volume é suficiente e se vai atrair capital estrangeiro. Segundo a consultoria Inter.B, o nível de investimentos tem se mantido historicamente abaixo de 2% do PIB.

Seria necessário um volume de 4,2% do PIB anualmente, por duas décadas, para modernizar o setor.

Fundador da Inter.B, o economista Claudio Frischtak diz que é essencial saber como será a governança do novo PAC. “Os projetos que estão sendo elencados passaram por uma análise de prioridade? Para isso existem técnicas, com análise de custo-benefício, cálculo da taxa social de retorno. Os projetos serão corretamente executados? Somos um dos países que mais desperdiçam recursos públicos”, alerta.

A desproporção entre ambição e realidade chama a atenção de outros players do mercado. Jorge Sant’Anna, CEO e Cofundador da BMG Seguros e Conselheiro da ABDIB, diz que faltam instrumentos de investimento e de garantias para atrair agentes internacionais.

Ele cita o Projeto de Lei 2646, que cria debêntures de infraestrutura e está parado no Congresso. “Sem esses instrumentos, a coisa não vai andar. A ideia do PAC é ótima, vai criar um incentivo enorme para a indústria e a geração de empregos, mas quem paga a conta? Falta senso de urgência. As contas estão soltas, o governo não entendeu que o problema está no nível micro, não no macro.”

Indústria

Espera-se que um terço dos recursos vá para os transportes. Outra prioridade será a mobilidade urbana, cujos recursos estão sob a jurisdição do Ministério das Cidades.

Grandes projetos que já foram diversas vezes anunciados, como o túnel Santos-Guarujá, podem finalmente virar realidade. Programas como o Minha Casa Minha Vida serão turbinados.

Iniciativas bancadas com empreendedores privados, como é o caso da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, devem deslanchar. Um trecho em Pernambuco da ferrovia Transnordestina, cujo controlador havia desistido, agora, por ordem do presidente, deve entrar no PAC.

Também por determinação de Lula o SUS deve dar mais atenção aos médicos especialistas, sem manter o foco apenas na atenção básica. O governo conta com investimentos da Petrobras para impulsionar o segmento de energia. Para reforçar a ênfase na transição energética, Haddad deve ser indicado coordenador da transição ecológica durante o lançamento.

Como nos PACs anteriores, espera-se uma mecânica de transição importante para a indústria, mas ainda há desafios estruturais a serem enfrentados.

“Para reindustrializar, são necessárias políticas horizontais que aumentem a competitividade assegurando, por exemplo, investimento em capital humano, educação e treinamento de mão de obra.”
Gesner Oliveira, Coordenador do Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais da FGV.

Já os empecilhos são conhecidos:
* protecionismo,
* reserva de mercado
* excesso de perdões tributários (Refis).

Políticas equivocadas, como a de “campeões nacionais”, hoje são renegadas pela nova administração.

Tebet diz que a neoindustrialização (termo cunhado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que está à frente da pasta do Desenvolvimento e Indústria) depende basicamente da Reforma Tributária, com segurança jurídica, previsibilidade e menor carga tributária. Só isso pode tornar a indústria novamente competitiva frente aos estrangeiros.

O governo enxergou no PAC uma forma de reativar a economia depois de tentativas duvidosas de animar a indústria, como foram os subsídios às montadoras para os carros populares.

O programa, já encerrado, trouxe simpatia na classe média, mas foi criticado por economistas.

Para o governo, o novo PAC é um programa de infraestrutura com prioridade para o conteúdo nacional nas compras governamentais, o que irá contribuir para o desenvolvimento da indústria. Ao contrário dos PACs anteriores, não se espera agora que o BNDES tenha o papel primordial de financiamento dos projetos.

Além de ter um caixa menor, a instituição tem sido submetida a um controle maior pelos órgãos de regulação.

Erros passados

Economistas veem com reserva a repetição de erros. Para Alexandre Schwartsmann, ex-diretor do Banco Central, uma eventual volta da política de subsídios do BNDES não levará a uma retomada do crescimento, como almeja o PAC.

“Se o problema fosse subsídio, a indústria brasileira teria um desempenho espetacular, em particular nos anos em que a carteira de crédito do BNDES alcançou mais de 9% do PIB”
Alexandre Schwartsmann, ex-diretor do Banco Central

Schwartsmann completa: “O nó da questão é a baixa produtividade do setor industrial, cujas causas vão da falta de qualificação da mão-de-obra à baixa inserção da indústria nacional nas cadeias globais de produção.”.

Professora de economia do Insper, Juliana Inhaz Kessler não vê os incentivos governamentais como um problema. “O gasto público é uma arma muito poderosa para estimular a economia”, afirma.

O problema é quando é feito de forma inadequada, insustentável e com baixa credibilidade. “O governo não vai medir esforços. Provavelmente os estímulos serão suficientes para dar uma arrancada no curto prazo. Mas a pergunta é: quanto a gente está criando um ambiente de negócios saudável para conseguir gerar credibilidade ao longo do tempo?”

William Eid Junior, diretor do Centro de Estudos em Finanças da FGV, vê o novo PAC com reservas. “O PAC da gestão Dilma não adiantou nada. Vivemos desde 2012 sem crescimento nenhum.”

E diz que falta visão de futuro. “A indústria representava 40% do PIB nos anos 1980. No mundo todo esse índice era alto. Mas foi caindo, perdendo para a área de serviços. Países mais espertos trocaram a indústria por serviços de alto valor agregado.”

Ele também considera que o investimento anual de R$ 60 bilhões, como previsto, é insuficiente e representa apenas 0,6% do PIB. “Nem faz cócegas na estrutura do País. Há muitos anos o governo não tem recursos para investir.”

“O PAC pode ser a salvação para o País, um forte estímulo para a indústria, principalmente para o nosso segmento”, crava com otimismo o presidente da ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Márcio de Lima Leite. Mas o executivo também faz uma ressalva: ele pode se tornar um grande problema se não for bem acompanhado e gerido.

O executivo diz que sua entidade está apresentando sugestões desde o início da concepção do programa e que a intenção é evitar o estímulo a empresas que tirem empregos e com baixo índice de conteúdo local.

O objetivo deve ser favorecer indústrias que invistam em pesquisa, desenvolvimento, inovação e assistência técnica.

“Queremos participar do plano. O que estamos cobrando é que o PAC seja feito com regras claras, que privilegiem produtores que realmente invistam no País. Temos que competir com empresas que tenham o mesmo nível de competitividade e de preocupação com o Brasil. E o PAC tem essa característica fundamental”, diz.