Comportamento

No caminho do bem: organização acolhe e orienta meninas adolescentes

Celeiro Vó Tunica recebe jovens em situação de vulnerabilidade social; com acolhimento, capacitação e cuidado, atravessam a maioridade dignamente e com perspectivas de futuro

Crédito: Jardiel Carvalho

Tainara Ferreira, securitária: "A experiência na casa me faz uma pessoa melhor a cada dia. Era somente isso que eu precisava, uma chance" (Crédito: Jardiel Carvalho)

Por Ana Mosquera

Tirar carteira de motorista, prestar vestibular, sair da casa dos pais são questões básicas que assolam jovens prestes a atingir a maioridade. O cenário muda a depender da história que carrega cada menino ou menina que vai completar 18 anos, em diferentes lugares do País. Natural de Santo André, a securitária Tainara Ferreira, 19, não enxergava uma luz no fim do túnel da vida profissional e pessoal até chegar ao Celeiro Vó Tunica. Com sede em São Paulo, a OSC (Organização da Sociedade Civil) recebe meninas adolescentes que estão se desligando dos serviços de acolhimento, mas também de comunidades e outros contextos de vulnerabilidade social. Nas três casas coletivas, as jovens moram, têm acesso a alimentação, saúde e educação, são direcionadas e acompanhadas na busca por uma vaga universitária e pelo primeiro emprego. Todo o básico a que têm direito, mas de que, por diversos motivos, foram privadas.

É o caso de Tainara, que chegou à Casa Amarela (as outras são Verde e Branca) por meio de uma instituição beneficente em que, inicialmente, praticava judô. Com os pais falecidos, não viu barreiras para se agarrar à novidade, na esperança de trilhar um caminho diferente, invisível quando morava com os irmãos.

“Ter vindo para cá foi a melhor decisão que tomei na vida. Eu não acreditava que era capaz, que a vida era feita de oportunidades.” Foi a partir da vivência no local que conseguiu o primeiro emprego como jovem aprendiz, teve acesso a um curso superior em sua área e foi promovida.

Dali, no próximo ano, sairá preparada para as resoluções da fase adulta. “Quando entrei aqui, não tinha ideia do quanto seria enriquecedor, que ganharia experiência e conheceria novas pessoas. O Celeiro vai ser sempre um pedaço da minha vida, uma grande parte da minha formação pessoal. Se não tivesse dado esse passo, não teria construído metade do que tenho”, conta a jovem, que planeja sair dali direto para o apartamento próprio.

Sustentabilidade é um dos aspectos mais importantes para o pós-Celeiro.

“É preciso garantir que, após três anos, elas consigam se sustentar fora daqui. Então, metade do que ganham, elas guardam. Uma delas está saindo com casa própria”, diz a fundadora Djane Sant’Anna.

Afeto: fundadores Djane e Jorge Sant’Anna junto às jovens da Casa Amarela (Crédito:Divulgação)

Recomeços

“Era hora de transformar dor em amor”, continua Djane, falando sobre quando criou a organização, em 2019, na ocasião do falecimento da mãe, Antônia Borges, a Vó Tunica, exemplo de afeto e dedicação. “Ela influenciava as pessoas com valores muito simples, como trabalho e estudo.”

Um dos objetivos principais da organização, inclusive, é ser ponte para um emprego digno.

As jovens recebem:
* aulas de inglês
* e aulas de informática, obrigatoriamente,
* oficinas,
* cursos,
* mentorias específicas.

Serviços médicos e odontológicos, assim como terapia, também são disponibilizados.

“Nossa história de vida é muito pesada e ter acompanhamento psicológico faz com que a gente fortaleça a mente. Ter uma visão de futuro sem estrutura mental é impossível”, fala Viviane Lopes, 21, que chegou de Belo Horizonte a São Paulo antes de completar 18 anos.

Na capital paulista, onde funcionam as casas da entidade, ela passou um mês vivendo nas ruas e mais cinco em um abrigo até chegar à Casa Amarela. Ela acaba de se mudar para morar sozinha e conta que foi durante esses três anos que conseguiu se reerguer para trilhar novos rumos.

A casa foi “alicerce da sua jornada”, em suas palavras. “Cada pessoa, professor e mentor foram importantes para eu partir com maturidade, responsabilidade e autonomia. Saio daqui mais confiante.”

Durante a estada em uma das unidades do Celeiro, Viviane conseguiu completar o ensino médio, iniciar o superior e hoje trabalha como auxiliar de farmácia em um importante hospital da cidade pela qual se apaixonou.

Viviane Lopes, auxiliar de farmácia: Celeiro como suporte emocional e alicerce da jornada (Crédito:Jardiel Carvalho)

O Celeiro Vó Tunica é uma Organização da Sociedade Civil (OSC) que, diferente de outros locais caracterizados como República Jovem, não possui vínculo com o poder público, e se mantém com doações de “semeadores” (pessoas físicas e empresas, como o banco BMG) e arrecadações por meio de eventos.

Além do acolhimento em segurança, capacitação e cuidado com saúde física e mental, a atuação do Celeiro na construção de políticas públicas é fundamental para mudar realidades e realizar os sonhos dessas jovens. Comprar apartamento, terminar faculdade, fazer pós-graduação, subir de cargo na empresa. “Seguir minha vida”, pontua Tainara. A lista dos objetivos da fase adulta começa a se materializar.