Na vida e no poker

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Mentor Neto: "Poker não é sobre cartas. É sobre pessoas" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Sou péssimo jogador de poker. Finjo que jogo bem, mas minhas fichas sempre acabam antes de conseguir provar meu talento.
Na esperança de aprender, houve época em que jogava sempre, todas as quintas-feiras. Nesse grupo de jogadores era o menos hábil, de longe. Havia um jogador de futebol famoso. Um empresário bilionário e um jogador de poker profissional.

Uma noite, tomei coragem e pedi algumas dicas. Ao jogador de poker, claro. A essa altura da vida já havia desistido de jogar futebol ou de ser bilionário. O homem foi muito gentil. Sentou ao meu lado e lembro que a primeira lição foi:

— Esse jogo não é sobre cartas. É sobre pessoas. Sobre você e eles. Entende? – apontou para os outros jogadores.

Fingi que entendia.

— Quer ver? Vou ganhar essa rodada sem nem olhar minhas cartas.

Seguiu-se um pequeno show de suas habilidades. Cada aposta, cada frase, cada olhar, calculados para colocar todos os outros jogadores na defensiva. Ganhou fácil. Com direito a dobrar a aposta e tudo. Fez com que todos desistissem da rodada.

Recolhendo as fichas que ganhou, explicou:

— Claro que isso dá pra fazer aqui, que só tem pato…num campeonato tem que levar mais a sério, mas você entendeu, né?
Entendi.

Ele continuou, durante diversas rodadas, me explicando como fazia para ler os adversários apenas por suas apostas, comportamentos ou falas. Coisa ainda mais fácil de fazer pois já jogávamos há algum tempo, então ele conhecia os maneirismos de cada um.

— Olha como fulano recuou. Não tem nada na mão.

— Xi…quando sicrano não para de falar é porque tem uma mão forte.

— Pronto. Dobraram a aposta, agora beltrano pula fora.

Um a um, todos eram previsíveis. Algumas vezes foi capaz de acertar exatamente até quais as cartas que o sujeito tinha nas mãos.

A aula valeu pelo meu deslumbramento, mas poker que é bom, continuei na mesma.

De qualquer forma, vira e mexe lembro dessas dicas e arrisco utilizá-las.

Para quem acredita que pode blefar com o destino

Não no poker, que desisti de vez. Nem no trabalho, porque não confio em mim para aplicá-las. Mas as vezes, quando vejo alguém tentando impor seu ponto de vista ou ser convincente, naturalmente lembro dos ensinamentos desse meu amigo.

É o caso da situação em que se encontram Trump e Bolsonaro, por exemplo. Sempre que os vejo, não posso deixar de imaginar que estão numa mesa de poker.

Ambos estão com mãos fraquinhas, fraquinhas. Acusações se acumulam às dezenas e o destino dessa rodada é incerto. A promotoria, em ambos os casos, tem cartas altas, difíceis de serem batidas.

Mas lembra da primeira lição?

Poker não é sobre cartas. É sobre pessoas.

Então resta a Donald e Jair tentarem ganhar sem olhar as próprias cartas.

É nessa hora que aparece a diferença de qualidade dos dois jogadores.

Assisto a Trump após um de seus indiciamentos, no aeroporto de Washington, falando para a imprensa.

Imagino que está no feltro verde de uma mesa de poker, viseira, fumaça de charuto, se portando como se tivesse uma quadra de azes nas mãos. Está seguro de cada uma das suas falácias, que fala em alto e bom som. Continua absolutamente igual ao que sempre foi. Cria uma realidade alternativa na mesa. Ignora as cartas dos outros jogadores.

Bolsonaro, por sua vez, está na mesma mesa, mas, coitado, nunca foi bom jogador. Suas cartas, para quem se interessa em ler, sempre foram transparentes. Agora, está quietinho, muquifado em sua cadeira, não quer chamar a atenção. Quando fala, repete o discurso de conspiração de Trump, que em sua voz soa fraco, inseguro.

Alguém poderia dizer que está escondendo o jogo, que na última hora vai aparecer com um straight flush. Vai nada.

Ele e Trump vão perder essa rodada. E as próximas também.

Na mesa da justiça não tem essa de não olhar as cartas. E toda rodada é all in.