Brasil

Frustração amazônica: encontro de líderes acaba sem acordo sobre desmatamento zero

Por falta de consenso entre os oito países que detêm a maior floresta tropical do mundo, a cúpula realizada para discutir seus problemas em Belém mostrou uma dura realidade: ou o Brasil muda a maneira de resolver as demandas ambientais ou o País vai levar o planeta ao aquecimento insustentável

Crédito: Ricardo Stuckert

Rumos indefinidos: Cúpula da Amazônia reúne lideranças políticas e da sociedade civil no Pará (Crédito: Ricardo Stuckert)

Por Gabriela Rölke

Era grande a expectativa sobre resultados concretos da Cúpula da Amazônia, que no início da semana reuniu autoridades de oito países da região em Belém (PA). Diante do caos climático, que acendeu o alarme global com uma onda recorde de calor no Hemisfério Norte, as atenções estavam voltadas para o Brasil. Sob coordenação do presidente Lula, o encontro foi marcado pela retomada do protagonismo brasileiro no cenário ambiental depois de quatro anos da deletéria gestão Bolsonaro, que fechou os olhos para a ocorrência de todo tipo de crime na floresta.

Empresários e ambientalistas brasileiros deixaram claro que a devastação na Amazônia, que amargou um crescimento de 59% durante o governo anterior, é equivalente à área de quase duas vezes o estado do Rio de Janeiro. O prejuízo que ficará para as futuras gerações pagar é enorme e uma das principais conseqüências será o País perder importantes mercados agrícolas na Europa e nos Estados Unidos. Uma pergunta que esses mesmos ambientalistas fizeram em Belém é por que razão Bolsonaro, que provocou danos irreversíveis à floresta, poderá sair ileso desse desastre de pagar criminalmente. Afinal, o bioma está à beira do não retorno caso o desmatamento zero não seja alcançado até 2030 e o ex-presidente tem muita responsabilidade por esse processo.

Esperava-se que, ao final da reunião, os oito países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) se comprometessem ao menos com uma meta comum: o desmatamento zero na região até 2030, como Lula propôs. Mas não foi desta vez. Presidentes como Gustavo Petro, da Colômbia, não concordaram com a fixação dessa meta.

Não houve acordo também quanto à exploração de petróleo e gás na região, defendida pelo petista, mas que foi rechaçada por grande parte dos países membros. O mundo vai ter que esperar pelo menos até novembro, quando essas e outras nações se reúnem em Dubai para a COP28, que pretende a adoção de medidas de combate às mudanças climáticas.

O desmatamento zero era considerado ponto manso e pacífico junto aos pesquisadores. As divergências entre os países, no entanto, ficaram ainda mais explícitas pela voz do presidente colombiano, Gustavo Petro, que desnudou a enorme contradição entre o discurso de responsabilidade ambiental de Lula e a insistência do mandatário brasileiro em viabilizar a exploração de petróleo e gás também na região amazônica, especialmente na altura do estado do Amapá.

Cientistas do mundo inteiro apontam para a urgência de se substituir combustível de origem fóssil por energia limpa, como a solar.

Por outro lado, a Declaração de Belém, aprovada pelos oito países da OTCA, cita em quatro momentos a preocupação com o “ponto de não retorno” (tipping point), teoria científica segundo a qual, se a Amazônia perder 25% de sua cobertura vegetal, não será capaz de se recuperar e será levada à savanização.

“Houve avanços na Cúpula de Belém, especialmente em relação à valorização de povos originários e demais habitantes da Amazônia, e também no que diz respeito à necessidade de desenvolver um modelo econômico sustentável para a região. Mas é lógico que algumas coisas não aconteceram”, resume o cientista Carlos Nobre, referência mundial em mudanças climáticas e aquecimento global.

“Me refiro à grande mensagem que todos esperavam, de que os oito países amazônicos iriam concordar com a meta de zerar o desmatamento e a degradação florestal nos próximos anos”, diz. Apenas Brasil e Colômbia se comprometeram com a proposta.

Denúncia: ativistas pedem demarcação de terras indígenas, fim do garimpo e dos combustíveis fósseis (Crédito:Evaristo Sa)

Para o climatologista, a falta de acordo funciona como um sinal verde para que o crime organizado que atua na região continue promovendo a destruição da floresta por meio da grilagem de terras, da extração ilegal de terras e da mineração ilegal, que ainda polui os rios com mercúrio.

Ele também demonstrou preocupação com a falta de acordo a respeito do fim da exploração de petróleo e gás natural na Amazônia, “embora o presidente da Colômbia tenha deixado clara sua posição contrária a essa direção”.

Superintendente-geral da Fundação Amazônia Sustentável, Virgilio Viana defende que a cúpula seja analisada sob dois aspectos: o da sociedade civil e o governamental. “A parte social, que eu chamo de cúpula da sociedade civil, foi um estrondoso sucesso”, diz. “Mais de 27 mil pessoas participaram das centenas de eventos, atendendo a um clamor por um espaço de debate e conexões.”

Já a cúpula governamental, embora não tenha chegado a nenhum entendimento em relação a metas concretas, “demonstrou um firme propósito de encarar os desafios do desmatamento, do clima, do narcotráfico, do garimpo, da extração ilegal de madeira e da grilagem em terras indígenas e públicas, mas sem deixar de lado a dimensão dos desafios sociais para o combate à pobreza”.

Ele admite que gostaria que a cúpula tivesse chegado a metas mais concretas e posições mais contundentes, mas ressalta que, de documentos típicos da diplomacia, como é o caso dessa declaração, não se deve esperar mudanças radicais.

“Não devemos esperar que documentos dessa natureza tragam propostas revolucionárias porque eles são produzidos a partir de consensos, e sabemos que os governos têm diferenças estruturais.”
Virgilio Viana, Superintendente-geral da Fundação Amazônia Sustentável

Viana prossegue: “Por outro lado, isso reforça a importância da sociedade civil. Quem vai fazer a mudança não são os governos, são as empresas privadas de um lado e a sociedade civil do outro, são eles que vão impactar.”

Cientista Carlos Nobre, referência mundial em mudanças climáticas (Crédito:Divulgação)

“É muito importante atuar na direção da responsabilização dos agentes públicos.”
Carlos Nobre, cientista

Roberto Klabin, fundador da SOS Mata Atlântica (Crédito:Divulgação)

“Gostaria de saber o que no governo de Bolsonaro foi perdido por falta de empenho.”
Roberto Klabin, fundador da SOS Mata Atlântica

Virou cinza

Mas para além do estabelecimento de compromissos para a preservação dos recursos naturais, é preciso ter em mente que o que está em jogo é também a destruição de um patrimônio que é de todos.

Por essa razão, seria pedagógico responsabilizar o gestor público que se omite ou mesmo compactua com crimes ambientais. “É preciso falar da destruição patrimonial que o Brasil sofreu na Amazônia”, defende Roberto Klabin, fundador da SOS Mata Atlântica e presidente da Fundação SOS Pantanal.

“Não estamos falando só de desmatamento e de gases do efeito estufa. Estamos falando de patrimônio público que virou cinza. Quanto vale isso? Quanto a gente perdeu? É preciso responsabilizar os administradores públicos”, diz. “Grande parte das florestas que queimaram nos últimos anos está em áreas públicas. Quanto isso significa? Nós damos as costas. Só que isso tem valor. Poderia, por exemplo, gerar créditos de carbono. Isso tudo foi queimado para ser substituído por invasores que levam a essas áreas uma pecuária de baixa produtividade”.

Klabin destaca ainda a contaminação da água por mercúrio em áreas de mineração ilegal. “A destruição de rios e cursos d’água pela mineração, a contaminação por mercúrio, tudo isso é patrimônio público que se esvai pelo ralo”, lembra.

“O principal gestor público do País, o presidente, ele não é responsável por essa destruição na sua gestão? Quanto isso custou para o País, o que significou em termos de perda econômica?”

“Responsabilizar os gestores seria pedagógico para que se passasse a ter um cuidado maior com o patrimônio da nação.”
Roberto Klabin, fundador da SOS Mata Atlântica e presidente da Fundação SOS Pantanal

O ambientalista deixa claro que se refere ao ex-presidente Bolsonaro. “Gostaria de saber o que no governo dele foi perdido por falta de empenho, por desídia. Não basta falar que a gente perdeu uma área enorme de floresta. É como queimar a biblioteca de Alexandria sem ter visto o que tinha dentro. A gente está queimando, está destruindo”, lamenta.

Ainda segundo Klabin, entes públicos como o Ministério Público e a Advocacia-geral da União, entre outros, também deveriam estar fazendo o mesmo tipo de questionamento.

“Eles também precisam se preocupar com a essa situação. Qual o valor do que foi perdido? O que isso significa? Nunca ninguém foi cobrado”, questiona o empresário.

“Não estou antecipando julgamentos, mas acho que Bolsonaro precisa responder por isso”.

O climatologista Carlos Nobre vai na mesma direção: “É muito importante atuar também na direção da responsabilização dos agentes públicos”, diz. “Mesmo em estados amazônicos, há governadores que até hoje são favoráveis à expansão da agropecuária e da mineração. Então eles olham para o outro lado e não apoiam políticas de redução do desmatamento”.