Brasil

Cada vez mais perto de Bolsonaro

Investigações da PF que prenderam Silvinei Vasques apontam que operação ilegal da PRF a ônibus no Nordeste com eleitores de Lula, no segundo turno, é parte de uma trama que culminou nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro

Crédito: Pedro Ladeira

Preso em Curitiba, Silvinei foi levado inicialmente para a superintendência da PF em Brasília, mas deve ser transferido para o sistema prisional (Crédito: Pedro Ladeira)

Por Gabriela Rölke

As investigações que resultaram na prisão preventiva do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, na quarta-feira 9, arrastaram o ex-presidente Jair Bolsonaro para o epicentro do terremoto de uma série de crimes político-eleitorais ao implicar um de seus assessores mais próximos na trama golpista que culminou com a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, no início do ano. Com essa ação de sabotagem, Bolsonaro está cada vez mais perto da cadeia. Preso por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, Silvinei levou a PRF, instituição de Estado, a atuar como “polícia de governo” durante a gestão passada, “colocando interesses sociais e políticos acima dos interesses da sociedade, o que é inadmissível em um Estado Democrático de Direito”, anotou a PF no relatório enviado ao Supremo.

No dia da votação do segundo turno, a PRF realizou uma série de fiscalizações em ônibus e carros especialmente em estados do Nordeste com o claro objetivo de dificultar o trânsito dos eleitores de Lula na tentativa de interferir no processo eleitoral.

A decisão do ministro mostra que a articulação para tentar fraudar as eleições foi feita dentro do Ministério da Justiça, desmentindo o ex-ministro Anderson Torres, que, em depoimento à CPMI dos Atos Antidemocráticos um dia antes, negou que soubesse do movimento – essa foi uma das razões para a prisão do ex-chefe da polícia rodoviária.

Para os investigadores, o que ocorreu não foi um “ato isolado” – mas parte de uma trama golpista que se iniciou ainda em 2019, com a “milícia digital” bolsonarista investigada no âmbito do Inquérito das Fake News, também conduzido por Moraes.

A determinação do ex-diretor-geral da PRF para que a corporação reforçasse as fiscalizações nas estradas do Nordeste exatamente no dia da votação, em 30 de outubro de 2022, seria “parte de um conjunto de atos com o objetivo de desacreditar o processo eleitoral e promover o descrédito dos Poderes da República”, descreveu Moraes.

Aliás, Silvinei mentiu de forma deslavada à CPI do 8 de Janeiro, sobretudo sobre os números das operações da PRF. Disse que foram 624 – o número correto é 911, das quais 290 só no Nordeste.

Embora a ordem para as fiscalizações tenha partido de Silvinei, o plano veio de cima, arquitetado no gabinete do então ministro da Justiça Anderson Torres.

Os dois se encontraram na noite de 19 de outubro, onze dias antes da votação, para tratar dos detalhes da operação. A planilha com o levantamento das áreas onde Lula obteve maior votação no primeiro turno e que acabaria por direcionar os locais de realização das blitzes da PRF no segundo turno, foi elaborada pela Diretora de Inteligência do Ministério da Justiça, Marília Alencar.

A PF encontrou planilhas mostrando os locais em que o petista obteve acima de 75% dos votos e quase todos eles localizados no cidades nordestinas. Torres, portanto, também mentiu à CPMI quando atribuiu a realização do levantamento à PRF.

O ex-ministro da Justiça, hoje em prisão domiciliar e com tornozeleira eletrônica, foi preso no início do ano por suposta omissão na contenção dos atos do 8 de Janeiro, quando estava à frente da Secretaria de Segurança do DF e viajou dois dias antes dos tumultos na Praça dos Três Poderes para a Flórida (EUA), mesma região em que o ex-presidente se encontrava.

Ao centro, Jair Bolsonaro, homenageado por Silvinei Vasques (à esq.) com a Medalha Washington Luís: honraria máxima da PRF. À direita, Anderson Torres (Crédito:Divulgação)

O ex-diretor-geral foi preso para não destruir provas.

Nos próximos dias, a PF ouvirá pelo menos 50 policiais que tiveram acesso às ordens do então superior.

Ainda que Silvinei já tenha se aposentado, é muito provável que haja um “temor reverencial” dos demais policiais rodoviários sob investigação, já que eles ocupavam cargos de confiança na corporação, o que colocaria em risco a continuidade das investigações, feitas por policiais ligados à nova direção da PF que assumiu com o ministro Flávio Dino (Justiça).

De fato, pelo menos dois desses agentes teriam mentido em seus depoimentos à PF.

Silvinei não fazia muita questão de esconder suas preferências políticas dos subordinados. Um dia antes do segundo turno, em uma troca de mensagens com outro policial, o então coordenador de Análise de Inteligência da PRF, Adiel Pereira Alcântara, criticou a atuação do superior hierárquico por suas posições bolsonaristas.

Disse que Silvinei falava “muita merda” nas reuniões de gestão – e que ele teria determinado “policiamento direcionado”, o que é mais um indício da realização de ações policiais para dificultar ou mesmo impedir eleitores petistas de votar.

Lula reage

Ao comentar a ação do STF que terminou na prisão de Vasques, Lula foi objetivo na manhã da quinta-feira,10. “Tentaram corromper a PRF para não deixar pobre votar”, disse o presidente em um discurso no Rio de Janeiro feito com pesadas críticas ao governo Bolsonaro.

Ao lado do prefeito Eduardo Paes e do governador Cláudio Castro, o petista acusou o ex-presidente de “ter sido responsável por pelo menos metade das mortes de Covid-19”, pelo fato do ser “negacionista” e não “respeitar a ciência”.

Ele não poupou o ex-diretor-geral da PRF pela tentativa de fraude eleitoral. Em depoimento à CPI do 8 de Janeiro, no mês de junho, Silvinei já havia negado que tenha usado o cargo para beneficiar o então presidente, seu amigo pessoal: “Nunca foi usado em benefício meu e muito menos dele. Não seria isso (operação da PRF no Nordeste) que mudaria o resultado da eleição”.

Ele também falou sobre as fotos em que aparece ao lado do capitão: “As fotos que tenho com o presidente Bolsonaro é porque ele me permitiu tirar. Postei na minha hora de folga”.

Na verdade, o ex-diretor-geral da PRF foi condecorado em várias oportunidades pelo então presidente, inclusive com a medalha de Ordem do Mérito do Ministério da Justiça e um diploma com uma placa de prata.

Silvinei deixou a corporação aos 47 anos em dezembro, no apagar das luzes do governo passado.

Aposentado por tempo de serviço, garantiu para si um rendimento mensal vitalício de R$ 18 mil, que pode ser cassado caso fique comprovado, no processo administrativo a que responde na Controladoria-Geral da União (CGU), que ele se utilizou do cargo para tentar atrapalhar o processo eleitoral.

Por sua vez, o Tribunal de Contas na União vai investigar também “se houve desvio de finalidade” no emprego de recursos humanos, orçamentários e financeiros, o que se configuraria em mais um crime.