Internacional

Trump indiciado tensiona a campanha

Denunciado pelo que é mais caro aos americanos — conspirar contra a democracia —, o ex-presidente se faz de vítima e incendeia a corrida presidencial de 2024, espalhando ódio e mentiras

Crédito: Sergio Flores

Mesmo sob acusações graves, Donald Trump tem 41% de aprovação de eleitores, assim como o atual presidente Joe Biden (Crédito: Sergio Flores)

Por Denise Mirás

Depois de processos envolvendo acusações sexuais (um deles por estupro, devidamente “encerrado” com pagamento de multa de US$ 5 milhões) e roubo de documentos secretos do governo, o ex-presidente Donald Trump vai encarar o que interessa de fato aos EUA: a sobrevivência do sistema, depois da lança fincada por ele no coração da democracia. O resumo da acusação do procurador especial Jack Smith, apresentada no Tribunal Distrital de Washington na última terça-feira, dia 1º, denuncia que Trump declarou ter havido fraude nas eleições, sabendo que essa sua afirmação era falsa, para continuar na Presidência.

Detalhe importante: ao contrário dos outros inquéritos, no processo desta semana Trump estava no cargo de presidente.

Derrotado na tentativa de reeleição, suas atitudes culminaram na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, com uma turba violenta tentando impedir a posse de Joe Biden, do Partido Democrata.

Mas Trump não se intimida com os processos: já deu o tom de sua campanha como pré-candidato do Partido Republicano às eleições presidenciais de 5 de novembro de 2024, com mais ódio, mentiras e provocações delirantes que alimentam seus eleitores extremistas.

Assim, se mantém empatado tecnicamente com Biden na preferência para a corrida presidencial do próximo ano.

A Promotoria dá a entender que a definição da data do julgamento, que poderá dar o ex-presidente como inelegível — e até levá-lo à cadeia por 20 anos — deve ser acelerada. Trump conta com o contrário. E continua ateando fogo em seus eleitores, principalmente por redes sociais, se fazendo de “vítima”.

Diz que as acusações contra ele são parte de um processo de “interferência eleitoral” e segue com bobagens rasteiras como a comparação do governo Biden “à Alemanha nazista e à União Soviética”. Esse é o cenário que os americanos vão acompanhar pelos próximos meses.

Ao acusar Trump de conspirar contra os EUA, Smith destacou que a invasão do Capitólio “foi um ataque sem precedentes à sede da democracia americana”.

O processo reúne quatro acusações, três delas de conspiração e uma de obstrução de Justiça. Com base nas investigações e depoimentos ao Comitê 6 de Janeiro (espécie de “CPI” instalada pelo Congresso americano), o promotor afirmou que o atentado “foi alimentado por mentiras do réu” com o objetivo de travar função do governo, “que é coletar, contar e certificar resultados da eleição presidencial”.

E citou as tentativas de convencer o vice-presidente Mike Pence a anular a eleição. Também consta no processo que o então presidente tinha o apoio de seis conspiradores — que poderão ter nomes divulgados em breve (um deles sugeriu a Trump se valer da chamada “Lei de Insurreição” para acabar com manifestações e protestos contra o golpe de Estado).

Jack Smith, promotor no processo contra Trump (Crédito:Saul Loeb)

“A invasão do Capitólio foi um ataque sem precedentes à sede da democracia americana.”
Jack Smith, promotor especial, no processo contra Donald Trump

Ainda se aguarda um processo da promotora distrital Fani Willis, de Fulton, na Geórgia, que também investiga as tramoias de Trump para anular o resultado da eleição de 2020.

Assim, até setembro Trump poderá ser réu em quatro tribunais diferentes e devem ser julgamentos demorados. Não existe regra clara que impeça a candidatura de Trump, se condenado.

Ele segue favorito dentro do Partido Republicano (onde seu rival é Ron DeSantis, governador da Flórida e também extremista) e empatado com Biden (pelas pesquisas mais recentes, ambos têm aprovação em torno de 41%).

Invasão no Capitólio está na base das conspirações de Trump para impedir posse de Biden (Crédito:Alex Edelman)

Sem coroa

Se 71% consideram crime grave a tentativa de anular a eleição de 2020 e 69%, de impedir a posse de Biden, milhões de americanos ainda veem Trump como vítima. Há dois anos e meio ele discursa que os americanos não devem acreditar no que dizem contra ele porque, como os promotores, “são comunistas”.

No Judiciário americano, é utilizado um sistema aleatório para a atribuição de casos aos juízes. Mas, nesse processo de crime contra os EUA, haverá supervisão da juíza Tanya Chutkan, indicada a Washington pelo então presidente democrata Barack Obama.

Foi ela que esteve à frente do julgamento dos invasores do Capitólio e emitiu sentenças severas contra vários dos extremistas. Tanya também bloqueou a tentativa de Trump de impedir a divulgação de documentos relacionados ao Comitê 6 de Janeiro. E foi explícita ao ressaltar: “Presidentes não são reis”.