Tim Maia e a filosofia

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Felipe Machado: "O que essas pessoas têm na cabeça?" (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

Além de ser um dos maiores cantores do Brasil, Tim Maia tinha uma boa verve para a filosofia. Uma de suas pérolas me veio à cabeça essa semana e reflete bem o nosso cenário político: “Esse País não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita.”

Por questões práticas, vamos esquecer as categorias citadas no início do pensamento e nos concentrar em sua conclusão: “pobre é de direita”. É mesmo uma constatação curiosa. Não sei se há outro lugar onde dono de carro popular que vive apenas com salário mínimo é contra imposto que taxa grandes fortunas. E por que aqueles que não têm sequer uma quitinete defendem o direito à propriedade dos grandes latifundiários? Minha contradição favorita, no entanto, é gente que pede golpe militar no Brasil para “não virarmos uma ditadura como a Venezuela”.

É nesse Brasil que caiu como uma bomba a notícia de que o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu R$ 17,2 milhões em depósitos via pix. Foram 769 mil transações. Claro que muitas delas são suspeitas — ninguém esperaria outra coisa de um acusado de rachadinhas que comprou 51 imóveis com dinheiro vivo. Mas tenho certeza de que muita gente simples também doou. O que me leva a outra questão: o que essas pessoas têm na cabeça? A campanha tinha como objetivo arrecadar dinheiro para Bolsonaro pagar multas. Apenas para lembrar, ele recebe R$ 80 mil por mês, sendo R$ 41,6 mil como presidente de honra (honra?) do PL, R$ 12 mil como capitão reformado do Exército (apesar de quase ter sido expulso) e R$ 30 mil de aposentadoria como deputado federal. Por que alguém que ganha R$ 80 mil precisa de ajuda para pagar multas? É simples: porque tem gente que dá.

Só no Brasil: quem recebe salário mínimo é contra o imposto de grandes fortunas
e quem não tem sequer uma quitinete defende latifundiários

No discurso de agradecimento, Bolsonaro disse que o valor seria usado para “pagar contas e tomar um caldo de cana com a Michelle”. Mas a melhor parte vem agora: ele não pagou multa nenhuma e aplicou toda a grana recebida em renda fixa.

Entre os doadores ao humilde político endividado estava Admar Gonzaga, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Questionado sobre a doação, disse que “não estava preocupado se ele ia pagar a multa”.

E completou: “Acho que ele fez muito bem em investir, de buscar remunerar o dinheiro. É uma atitude responsável”. Se um ex-ministro do TSE pensa dessa maneira, Tim Maia estava certo: esse País não pode dar certo.