Brasil

STF terá meses eletrizantes antes da troca da presidência

Supremo deve decidir, até setembro, se o porte de maconha para consumo próprio deixa de ser crime e se o aborto até a 12ª semana de gestação será descriminalizado: o tribunal está mexendo em temas sensíveis aos conservadores

Crédito: Moacyr Lopes Junior

Zanin assume vaga no STF e já está apto a votar nos assuntos polêmicos da Corte (Crédito: Moacyr Lopes Junior)

Por Germano Oliveira

A posse de Cristiano Zanin Martins como o mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal na última quinta-feira, 3, inaugura uma fase importante de mudanças no perfil da Justiça brasileira. Com o quadro completo de onze ministros em plenário, a Corte dá início ao julgamento de quatro ações que prometem eletrizar o País nos próximos três meses que antecedem a substituição da ministra Rosa Weber por Luís Roberto Barroso na presidência da instituição. Com o pretexto de esvaziar as cadeias, a tendência do tribunal é descriminalizar o consumo da maconha para uso pessoal e liberar o aborto até o terceiro mês de gravidez, dois dos assuntos mais caros ao bolsonarismo e à extrema-direita brasileira.

A decisão de descriminalizar o porte da maconha quando é para consumo próprio começou a ganhar corpo na última quarta-feira, 2, quando o ministro Alexandre de Moraes concluiu seu voto a favor da tese de que deixa de ser crime quando a pessoa porta maconha para uso pessoal.

Esse caso estava na gaveta do STF desde 2015, quando o relator Gilmar Mendes votou favoravelmente à descriminalização das drogas.

Gilmar levou em consideração estudos e modelos semelhantes aos usados em Portugal e Uruguai. Naquela época, também os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram pela liberação do porte de drogas, mas permitindo o uso apenas da maconha, e, mesmo assim, em quantidades em torno de 25 a 60 gramas da droga.

Com o voto de Alexandre, a descriminalização do porte da maconha passa a ter o placar de 4 a 0. Ainda faltam dois votos para a formação de maioria e a aprovação da medida.

Como o voto de Alexandre terminou de ser proferido no início da noite de quarta-feira, a ministra Rosa Weber vai marcar, nos próximos dias, nova sessão para que os demais sete ministros se pronunciem.

A tendência do tribunal é que as pessoas que apenas consomem maconha não possam ser presas. Comercializar e produzir a erva continua sendo crime.

Segundo a presidente do Supremo, há pelo menos 7.769 processos em varas criminais pelo País que tratam do assunto e aguardam uma decisão da Corte para proferirem suas sentenças.

Além desse caso polêmico, Rosa Weber decidiu que outros assuntos que dividem a sociedade, como a liberação do aborto até a 12ª semana de gestação, sejam votados até a data em que ela estiver na presidência do Supremo, no dia 28 de setembro, quando Barroso assumirá seu lugar. A sessão para a votação da descriminalização do aborto ainda não tem data marcada.

Considerado conservador, Zanin está apto a votar nessas pautas de costumes, que normalmente dividem o tribunal. Ele já disse, na sabatina no Senado que aprovou seu nome, entender que a questão das drogas deveria ser normatizada pelo Congresso e não pelo STF.

Sobre o aborto, afirmou que o Brasil já tem uma legislação apropriada, permitindo o aborto apenas em questões pontuais, como num estupro, quando a gravidez coloca a mãe em risco ou quando o feto é anencéfalo.

Antes dessa controversa discussão, o STF vai analisar se aprova ou não a necessidade de implantação do juiz de garantias. Essa votação está marcada para a próxima quarta-feira, 9.

Depois de ficar três anos na gaveta, o tribunal começou essa discussão em junho. O ministro Luiz Fux, relator do caso, ocupou três sessões para dar seu voto contra a necessidade de se ter um segundo juiz para julgar as causas no Poder Judiciário.

O ministro Dias Toffoli pediu vistas, interrompendo essa discussão, comprometendo-se a devolver o processo ao plenário no início de agosto.

Marco temporal

Mas um dos assuntos mais quentes deste final da gestão de Rosa é a apreciação do tema que trata da legalidade do marco temporal para a demarcação das terras indígenas. O caso começou a ser analisado antes do recesso do tribunal em julho.

Já foram dados três votos. O ministro Edson Fachin votou contra o marco temporal, de acordo com a reivindicação das lideranças indígenas, enquanto o ministro Kássio Nunes Marques votou a favor. Alexandre de Moraes tomou uma decisão intermediária entre os dois primeiros votos.

Ele é contra o marco temporal, mas defende que os fazendeiros que ocupam as terras indígenas devam ser indenizados pelos bens erguidos nas reservas.

Essa discussão deve acontecer no início de setembro, mas Rosa ainda não marcou esse julgamento. Ao se preparar para essa votação, a ministra visitou, ao lado de Cármen Lúcia, há quinze dias, a aldeia Yanomami em São Gabriel da Cachoeira (AM). As duas ouviram reivindicações das lideranças indígenas.

Rosa passará a presidência do STF para Barroso no final de setembro (Crédito:Evaristo Sa)

Outra questão suscitada com a chegada de Cristiano Zanin ao Supremo é o equilíbrio de forças entre os magistrados considerados garantistas, como é o caso do novo ministro, e os juízes tidos como punitivistas ou legalistas.

Os garantistas costumam proferir votos que acabam favorecendo os réus (in dubio pro reo), enquanto os punitivistas normalmente são mais rigorosos com os acusados, sobretudo com os políticos (veja box abaixo).

Como o novo magistrado assumirá os 520 processos que eram do ministro aposentado Ricardo Lewandowski, a maioria relacionada à Lava Jato, ainda resta dúvida nos bastidores do STF sobre a posição de Zanin nos casos que envolvem Lula.

Zanin já disse que deve se declarar impedido de julgar ações que envolvam o presidente ou que tenham sua mulher Valeska Martins como advogada nos casos que tratam da operação.

Para deixar o novo magistrado distante da Lava Jato, Dias Toffoli fez uma jogada que ajuda Zanin. Pediu para ir para a 2ª Turma, que julga os casos da Lava Jato e onde estava Lewandowski, abrindo espaço para o novo magistrado na 1ª Turma, formada, basicamente, pelos ministros mais punitivistas.

Garantistas X Punitivistas

O STF é dividido entre os ministros considerados garantistas e os chamados punitivistas. Atualmente, a ala garantista representa maioria no Supremo, e está sendo reforçada pelo ministro Cristiano Zanin Martins, que tomou posse no último dia 3, e que, em função de sua atuação como advogado de Lula na Lava Jato, mostra alinhamento a esse grupo.

Garantistas são os ministros que julgam de acordo com o espírito da lei e que, normalmente, votam a favor dos réus quando as acusações são frágeis. É o que no mundo jurídico se chama de in dubio pro reo (na dúvida, interpretam a favor do acusado). Geralmente, ficam ao lado dos contribuintes em matéria tributária. Os ministros garantistas mais convictos são Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Kássio Nunes, maioria na 2ª Turma. Lewandowski, que deixou o Supremo em maio, também era garantista.

Já os punitivistas, que muitas vezes são chamados também de legalistas, agem ao contrário dos garantistas. Eles aplicam a lei ao pé da letra e em uma ação entre o Fisco e o contribuinte, por exemplo, ficam sempre com o Estado.

Embora muitos ministros desse grupo às vezes sejam punitivistas, em determinado tipo de ação também podem ser garantistas. É o caso do ministro Alexandre de Moraes, que em metade dos casos vota como garantista e em outra metade toma decisões como punitivista. O mesmo pode se dizer de André Mendonça.

Os juízes punitivistas, que são maioria na 1ª Turma, normalmente ficam ao lado do MPF e se posicionam de acordo com as demandas da sociedade. Entre os punitivistas mais conhecidos está Luís Roberto Barroso, futuro presidente da Corte. Rosa Weber, que se aposenta no dia 2 de outubro, também é mais punitivista. Outros ministros punitivistas são Cármen Lúcia, Luiz Fux e Edson Fachin.