Comportamento

Caminhar e falar melhora seu bem-estar. Cadê sua galera?

Recomendada por médicos e psicólogos após o período de isolamento, a atividade de “andar conversando” é unanimidade: faz bem para a saúde física e mental

Crédito: Jardiel Carvalho

Fabio Bellini e Isabel Pinto, no Ibirapuera: grupo divertido para caminhadas e conversas (Crédito: Jardiel Carvalho)

Por Denise Mirás

No período pós-pandemia, os médicos passaram a incentivar caminhadas em duplas ou em grupos, uma vez que as atividades de andar e conversar são positivas tanto para o lado físico quanto para a saúde mental. O conceito, que ganhou ares de profisionalismo nos EUA, chegou ao Brasil. Especialistas começaram a elaborar propostas variadas, entre elas sugestões para se deixar o celular de lado em favor de uma atitude pró-ativa, e estimular a atividade entre namorados, parentes e amigos.

A ideia, portanto, era somar atividade física com o restabelecimento das relações sociais na saída do isolamento. Conversar durante as caminhadas flui mais facilmente porque os envolvidos estão olhando para a frente, sem se encarar. O estilo mais formal dos norte-americanos inspirou até um guia com sugestões de temas para se levar ao “walk’n’talk” (converse e fale), como vem sendo chamada a atividade.

As dicas partem de temas óbvios, como falar de lembranças em comum e planos de vida. Sugerem um jogo divertido de desafios, com ideias como “o que você promete e não cumpre?”; “qual a viagem que mudou sua vida?”; “o que seu eu mais jovem diria hoje sobre você?”, entre outros. Por aqui isso não é necessário: o estilo de vida dos brasileiros faz a conversa fluir mais fácil, até mesmo com alguém que se conheça ao acaso.

Aqui, os obstáculos são outros — como os buracos nas calçadas e a falta de segurança, por exemplo. Algumas dicas, porém, valem para todo o mundo: variar as andanças por bairros menos conhecidos, apontar detalhes da paisagem aos companheiros de caminhada — o que ajuda a desviar os olhos dos celulares — e não se preocupar com silêncios, “porque abrem espaço para conversas inusitadas e animadas”.

Sem qualquer necessidade de guia para conversas, o engenheiro e ator Flavio Bellini chega ao Parque do Ibirapuera às 5h30, “de segunda a sexta, porque ninguém é de ferro”.

Há 35 anos ele faz exercícios antes de andar com algum integrante do grupo que se formou de forma aleatória por profissionais de diversas áreas e camadas sociais. “Adoro conversar. Aqui normalmente não se fala de problemas, só damos gargalhadas. O bom-humor prevalece. Um provoca o outro com brincadeiras e apelidos — tem o Pastor, o Piu Piu, a Pediatra dos Velhinhos. Um dia alguém traz um bolo, no outro traz uma torta”, comenta, destacando que, ao longo dos anos, e principalmente por causa de celulares, o comportamento dos freqüentadores do parque mudou muito: “Os mais velhos são mais sociáveis e carinhosos”.

A seu lado, a médica Isabel Pinto diz que a atividade é muito importante para a saúde: “Na pandemia, andar foi a salvação, mesmo de máscara e por fora do parque fechado”.

Carol Trondoli (à esq.) e a psicoterapeuta Andréia Prado: sessão semanal nas areias de Santos (Crédito:Divulgação)

Asfalto e areia

Tazio Muraro e José de Jesus Afonso, ambos com 81 anos e vizinhos há décadas, aproveitam as caminhadas para falar sobre “contas, família e futebol”.

O casal Patricia Zunstein e Gustavo Sacchetti resolve questões do dia a dia e aproveita para planejar viagens. Ela diz que “é mais gostoso do que sentar para falar desses assuntos”; ele observa os detalhes da paisagem.

Veridiana Martinussi leva os cachorros para passear e conversar com a filha Natália.

Há também quem caminhe no Minhocão, fechado aos carros nos fins de semana. No elevado paulistano, como explicam Laurita de Salles e Elisabeth de Vilhena, vizinhas por anos no quadrilátero Vilas do Sol, em Pinheiros, não é preciso se preocupar com o trânsito ou com buracos, porque “a área é livre e longa”.

Os exercícios individuais diários mais o vai-e-volta de dois quilômetros em dupla pelo Minhocão, normalmente aos sábados, já renderam perda de peso e ganho de fôlego. “Quando olhamos os grafites e o absurdo de casas sendo derrubadas em favor de prédios sem contrapartida de áreas verdes, falamos da transformação urbana que não tem projeto voltado para a população”, diz Laurita. Beth lembra que “andar e conversar sobre a vida ajuda a cabeça e até faz a criatividade fluir melhor”.

“Bater papo enquanto anda resgata emoções e interliga os dois hemisférios do cérebro, prevenindo doenças.”
José Elias de Proença, mestre em Educação Física e doutor em Psicologia

Em Santos, a psicoterapeuta Andréia Prado instituiu o “Dia de Praia” uma vez por semana, como parte do atendimento de Carol Trondoli. “Ali a conversa é mais tranquila. Ela fala das mudanças que vem sentindo no dia a dia e vou acompanhando com as ferramentas para transformação, com expansão da consciência.”

José Elias de Proença, mestre em Educação Física e doutor em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pela USP, diz que andar com consciência, sentindo a pisada ­­­— que vai dos pés aos tornozelos e em sintonia com joelhos e quadril ­­­— resulta em postura organizada e respiração compassada.

“O oxigênio alcança cada canto do corpo, o que previne doenças ­ e até demência, segundo estudos.”
José Elias de Proença, doutor em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pela USP

Se antes da pandemia se recomendava andar entre 30 e 45 minutos por dia, após tanto tempo retraídos o ideal passou a ser uma hora, para o resgate do isolamento físico e afetivo-social.

Metades Unidas

Caminhar em companhia de alguém — conversando e usando todos os sentidos para observar árvores e flores, escutar o canto de diferentes pássaros, sentir o vento — interliga os dois lados do cérebro, explica Proença, porque no direito está a área da emoção e no esquerdo, a comunicação.

“Assim, desenvolvemos nossas faculdades cognitivas e afetivas”, destaca, observando que o combinado “andar e conversar” faz parte do “pentáculo do bem-estar”:
* atividade física,
* boa alimentação,
* controle de estresse,
* relacionamento afetivo sócio-ecológico,
* e comportamento preventivo com exames de rotina.