Brasil

Até onde vai o MST?

Após passarem a gestão Bolsonaro silenciados, os sem-terra destampam a panela de pressão e logo no início do governo petista retomam a ofensiva de invasões de terra. A intimidade dos manifestantes com o PT coloca em risco relação de Lula com o agronegócio

Crédito: Divulgação

Militantes invadem área de pesquisa da Embrapa em Petrolina (PE): governo sob pressão (Crédito: Divulgação)

Por Gabriela Rölke

A invasão de uma área de pesquisas da Embrapa em Petrolina, Pernambuco, por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na segunda-feira, 31, escancarou a pressão do grupo sobre o governo petista, numa demonstração de que o uso da força é instrumento de ação política: os liderados por João Pedro Stédile exigem novas áreas para o assentamento de seus filiados. A ocupação de propriedades particulares foi mais um passo dessa ofensiva que nos últimos dias invadiu fazendas também na Bahia e em Goiás – e que teve seu ponto alto ainda no primeiro semestre do ano, durante o Abril Vermelho, quando foram registradas ocupações de terras em onze estados, com a complacência das autoridades. A agressividade demonstrada pelo movimento durante os primeiros meses do atual governo contrasta com a timidez do movimento verificada nos quatro anos da gestão Bolsonaro.

Em 2022, foram 37 invasões, de acordo com dados do próprio MST. Já apenas nos sete primeiros meses de 2023, houve 29 ocupações de terra e outras seis reocupações, como essa na Embrapa. A proximidade no movimento com o Palácio do Planalto e a consequente escalada das invasões desde que o petista tomou posse preocupam o agronegócio, o mais importante setor da economia brasileira, que teme a insegurança jurídica no campo.

A tomada da área da Embrapa em Petrolina por pouco não foi um tiro no pé do movimento, pois quase impediu a realização do Semiárido Show 2023, evento importante para o agronegócio do Nordeste e que é realizado há dez anos. A feira é referência para integrantes da agricultura familiar que normalmente é constituída por assentados em projetos do Incra.

A estratégia, no entanto, deu certo: os sem-terra deixaram o local depois de sete horas, assim que conseguiram garantir uma reunião com o titular do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Paulo Teixeira, que é filiado ao PT. “Não foi uma invasão, foi um protesto”, disse o ministro, defendendo os invasores. “Eles ficaram ansiosos, fizeram aquele protesto, mas já saíram. A ansiedade baixou porque foram prestadas as contas de todas as providências que vão ser adotadas”, minimizou. “Então, a vida caminha”.

Por meio de nota, o MST em Pernambuco confirmou que as famílias que participaram da invasão deixaram o local “com a promessa de que serão assentadas”.

Ainda de acordo com a nota, tanto o MDA quanto o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) se comprometeram a “cumprir os acordos firmados em abril”, quando o governo prometeu adotar “políticas públicas que permitam a democratização do acesso à terra”.

Aliança histórica

Gestado no sindicalismo do ABC paulista e nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica na década de 1980, o PT tem ligações históricas com movimento sem-terra. Lula já posou para fotos vestindo um boné do movimento.

Em recente viagem à China, o presidente levou o líder do MST, João Pedro Stédile, em sua comitiva oficial, ato bastante criticado pelas lideranças do agronegócio, que se sentiram desprestigiadas, já que o setor é responsável pela maior parte das exportações brasileira para o mercado chinês.

Os sem-terra alegam que há uma demanda reprimida pela distribuição de terras para trabalhadores rurais no País, considerando que nenhum novo assentamento foi regulamentado durante o governo Bolsonaro. As recentes ações do MST consideradas ilegais pelas entidades de classe dos ruralistas, contudo, deixam Lula em maus lençóis com o agronegócio, cuja participação no PIB em 2022 foi de 25%. O setor apoiou em peso a tentativa de reeleição de Bolsonaro na última eleição.

A proximidade do presidente com os sem-terra pode piorar uma relação que nunca foi boa entre governos do PT e o setor do agro, avalia o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie.

De acordo com ele, o episódio da invasão do MST à Embrapa “constrange” o governo. “Obviamente a estrutura da Embrapa não é uma terra improdutiva que estaria disponível para a reforma agrária”, destaca.

“A estratégia tem por objetivo pressionar o Palácio do Planalto, mas dá à extrema-direita, que criminaliza movimentos sociais, munição retórica para ataques ao governo.”
cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie.

“Me parece ter sido um equívoco essa ocupação. A Embrapa é um espaço de excelência para pesquisa e aplicação de tecnologia na agricultura e na pecuária, áreas de interesse direto do agronegócio”.

Prando destaca que movimentos sociais têm um importante papel na luta por direitos daquelas que são entendidas como minorias ou de grupos que historicamente foram excluídos ou colocados à margem da sociedade.

“São, portanto, legítimos e democráticos quando se articulam de maneira propositiva e com valores republicanos. Mas não há legitimidade numa invasão como a ocorrida na Embrapa, ou quando, a partir da instrumentalização partidária, ocupam terras produtivas nas quais há pessoas trabalhando porque o dono da terra é um político importante”, ressalta.

Agora, é necessário saber como o governo Lula vai tratar o MST e se vai conseguir encontrar o equilíbrio na relação com diferentes atores da sociedade e equacionar interesses por vezes muito divergentes.

Enquanto isso, na Câmara…

No comando da CPI, ruralistas aproveitam para constranger o governo. Ao centro, Ricardo Salles, ex-ministro de Bolsonaro (Crédito:Mateus Bonomi )

A CPI do MST, que começou sem foco definido e foi desdenhada pelos governistas no Congresso, ganhou fôlego nesta semana, após a invasão de uma unidade de pesquisas da Embrapa, em Pernambuco. O ato provocou reações em cadeia dos bolsonaristas, que dominam a comissão investigativa na Câmara.

A oposição comemorou exatamente porque o colegiado estava praticamente esvaziado por falta de fatos novos e a ação do MST reacendeu os debates. Entre os governistas, o clima era de irritação por constatarem que os sem-terra, seus aliados, acabaram fortalecendo os adversários.

O presidente da comissão, Coronel Zucco (Republicanos-RS), não tardou a pedir a extensão dos trabalhos por mais dois meses. A justificativa é de que o recesso teria atrapalhado o andamento da investigação, o que não se sustenta, já que o cronograma original previa a pausa em julho, com o encerramento dos trabalhos em 28 de setembro.

Já o relator, Ricardo Salles (PL-SP), outro crítico do MST, usou as redes sociais para condenar a ação dos sem-terra em Petrolina, chamando os invasores de “bandidos”.

Na última sessão, ocorrida na terça-feira, 1, a oposição conseguiu aprovar a convocação do ministro Rui Costa (Casa Civil), sob o argumento de que ele teria sido leniente com o MST, quando governou a Bahia.

No encontro, bastante tumultuado, houve o depoimento do ex-ministro chefe do GSI, general Gonçalves Dias. No interrogatório, ele afirmou não ter recebido ou produzido nenhum relatório sobre as atividades do movimento, o que irritou os bolsonaristas, que duvidarem da veracidade das respostas do militar. (Samuel Nunes)