Até onde o governo vai ceder?

Crédito: Adriano Machado

Carlos José Marques: Lula e Lira, um movimento de xeque-mate (Crédito: Adriano Machado)

Por Carlos José Marques

A entrega de pastas, de cargos e de espaços ao Centrão vai se tornando uma coisa crônica também dentro do mandato de Lula. Foi com Bolsonaro e agora se repete. Assombrosa a ascensão que o atual presidente da Câmara, Arthur Lira, possui sobre o demiurgo de Garanhuns — embora explicável pelo jogo de chantagens que ele impõe à Presidência. Sem a aquiescência de Lira, nada de aprovação sai daquela casa. É um movimento de xeque-mate. Lira dá o ritmo, o tom dos projetos e a forma de liberação de cada uma das ideias que chegam ao Congresso. O regime de cooptação vai se ampliando, com cobranças caras pagas pelo Planalto. Ministros sem costas largas ou da reserva pessoal de Lula ficam todos sob ameaça. Até mesmo o vice-presidente, Geraldo Alckmin, que responde pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, entrou na mira. O festival de pedidos não para. Lira quis o caixa da Caixa Econômica – com perdão do trocadilho – e levou. Tenta colocar no lugar justamente a sua advogada pessoal, a ex-deputada Margarete Coelho, a mesma que se converteu em agenciadora de ações de censura contra à imprensa. A Funasa, outro balcão de distribuição de recursos disputado, também deve ser posto à serventia do Centrão. Lula faz de conta que esse agregado amorfo de políticos não existe. Alega que ele pessoalmente tem negociado com cada representante dos partidos/siglas. Decerto, desconhece ou só não demonstra não estar vendo a forma ordenada e em bloco que a tropa do baixo clero age. Embora desacredite, o Centrão tá ai, mandando e desmandando para quem quiser ver. A tática de Lula não vinga sem o aval peremptório dos mandachuvas do bloco. O plano, no momento, dado que o governo protela alguma das concessões e entregas prometidas, é desidratar ao máximo a força federal, tornando o Planalto ainda mais refém de seus ditames. Nas negociações ao pé do ouvido quem tem atuado firmemente é outro fiel aliado de Lira, o deputado André Fufuca, candidatíssimo a uma das vagas no primeiro time da Esplanada. Ele, que já foi preso pela Operação Lava Jato e acabou cassado, é o exemplo típico do padrão de candidatos que vêm sendo cogitados nessa reforma de poder. Na base do enfraquecimento dos principais colaboradores presidenciais, pegou muito mal a escolha do nome do economista Marcio Pochmann para o IBGE, sem consulta prévia à titular do Planejamento, Simone Tebet. Lula compromete a relação com fiéis auxiliares ao atuar dessa maneira e vai criando um padrão de escolhas que lhe desgasta a própria imagem. A questão fundamental é saber até onde ele vai ceder sem que perca, por completo, o controle do Estado e o programa de governo que o elegeu. Na base do semipresidencialismo mal velado, o Centrão atua com um apetite incontrolável. Quer expandir os tentáculos inclusive para o Ministério da Defesa, desalojando José Múcio. A pasta entrou na lista de possibilidades depois que Lula ofereceu os ministérios do Esporte e da Ciência e Tecnologia. Não saciou a tropa e segue incluindo alternativas no cardápio. Barrou apenas o avanço afoito sobre o Ministério da Saúde, deixando em sua cota pessoal o nome da socióloga e cientista Nísia Andrade, primeira mulher a assumir o posto. De uma forma ou de outra, o risco de uma independência perdida está no ar.

Atropelado pelos aliados, o governo vai ficando nas cordas e precisa urgentemente estabelecer limites. Do contrário, pode sacrificar até metas de desenvolvimento. As reformas e os incentivos planejados estão no bojo das conversas e o modo como serão conduzidos dirá muito do futuro do governo. Por exemplo: no campo do controle dos gastos é desejo que os mais pobres não sejam penalizados, muito embora certas alas dos congressistas pensem diferente. A busca de uma máquina pública enxuta, a garantia do Marco do Saneamento, do arcabouço fiscal e das privatizações também estão no radar das conversas. Com o retorno das férias no Parlamento, serão pontos tratados. O perigo está na prevalência das imposições do Centrão. O presidente quer fazer reuniões separadas com líderes e dirigentes partidários para assim tentar diluir as resistências aos seus planos. Com uma base de apoio frágil e insuficiente, imagina conseguir maiores e mais firmes adesões na base do corpo a corpo. Lula vai continuar alimentando a fome dos interlocutores por cargos e emendas, mas o fará de forma, se possível, regrada, pulverizando os entendimentos. Sair da rota direta de tratativas somente com Lira ajudaria bastante nessa busca de autonomia de gestão. Lula ainda não mostra forças suficientes para quebrar a simbiose. Quem sabe mais adiante. As eventuais nomeações que estão por vir poderão auxiliar nesse objetivo. Hoje, na Câmara, o governo acredita contar com 225 deputados e precisa de 257 para fazer passar as pautas. Tentando não ferir suscetibilidades e não colocar tudo a perder, o petista segue defendendo abertamente o Centrão. Difícil desatrelar criador e criatura, em prejuízo da vida republicana do País.

Por Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três