Internacional

Eleições na Espanha: vitória com gosto de derrota

PP, partido do conservador Alberto Feijóo, ganha eleições e supera o PSOE do primeiro-ministro Sánchez, mas não consegue a maioria do Parlamento. Resultado dificulta a formação de novo governo e mergulha a Espanha em um impasse político

Crédito: Oscar Del Pozo

O PP ganhou nas urnas, mas muitos de seus eleitores fugiram da aliança com extremistas de direita do Vox (Crédito: Oscar Del Pozo)

Por Denise Mirás

Com suas eleições parlamentares, a Espanha se enfiou em uma arapuca. Nos próximos dias, negociações que incluem reivindicações de grupos separatistas da Catalunha e do País Basco decidirão o futuro do país. Tanto Alberto Núñez Feijóo, que somou 33,1% dos votos para o conservador PP (Partido Popular), como Pedro Sánchez, atual primeiro-ministro pelo centro-esquerdista PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), que chegou a 31,7%, apostaram alto, mas não conseguiram a maioria de 176 cadeiras no Parlamento.

Ficou evidente o erro de Feijóo ao aceitar o apoio da extrema-direita do Vox, com efeito contrário ao pretendido: os conservadores espanhóis fugiram da coligação do PP com os ultrarradicais. Por sua vez, Sánchez esnobou partidos à esquerda e não abriu mão de tentar sua reeleição ao cargo.

Encerrada a votação no domingo, 23, os dois maiores partidos agora dependerão de delicadas negociações com as agremiações menores para assegurar o comando da Espanha. Tanto Feijóo como Sánchez têm chances de formar um novo governo.

O mais inusitado das urnas ficou para os partidos que defendem a independência catalã e basca. Apesar de terem perdido muitos votos em relação às eleições de 2019 (os quatro principais nem bateram nos 2%), eles se viram em posição privilegiada.

Podem apresentar exigências para se aliar a um ou outro lado, decidindo quem será o primeiro-ministro.

Ao menos na teoria, o mais provável é que rejeitem a direita, que se coloca ostensivamente contra suas reivindicações. Por ironia, portanto, poderão ser os separatistas a chave do futuro do país.

Feijóo, do PP, usa votos populares como argumento para coligações que façam dele primeiro-ministro (Crédito:Oscar J. Barroso )

As costuras políticas serão bem complexas e incluem conversas com grupos políticos convocados pelo rei Felipe VI.

Feijóo argumenta que deveria ser ele o candidato a primeiro-ministro nomeado pelo rei, por seu partido ter somado mais votos nas eleições. Para isso, teria de apresentar garantias ao rei de que conseguiria negociar coligações para viabilizar o governo.

Da mesma forma, para ser o candidato a formar o gabinete, Sánchez precisaria convencer o rei de que pode voltar ao cargo com apoio suficiente para aprovar seus projetos na Câmara.

São três as possibilidades (óbvias) que se abrem diante dos espanhóis:
1. um governo formado por Feijóo
2. ou por Sánchez,
3. ou então — a hipótese menos provável — a convocação de novas eleições.

Para Ana Carolina Marson, doutora em Relações Internacionais pelo IRI-USP e professora na Universidade São Judas Tadeu, as negociações que decidirão o caminho da Espanha têm base em três aspectos principais:
* políticas sociais,
* gestões ambientais,
* concessões para os grupos separatistas.

Para ela, a inclinação política dos eleitores somada à sua percepção econômica ficaram claras nas urnas e daqui para frente tanto Feijóo como Sánchez terão de se ver com a questão da distribuição de renda desigual.

Sánchez, do PSOE, espera se reeleger como primeiro-ministro abrindo concessões a separatistas (Crédito:Juan Carlos Rojas)

Dois mundos

Além do desemprego em baixa (de 16,1% em janeiro de 2021 para 13,2% no mesmo mês deste ano) e da inflação em queda (de 8,4% do ano passado para 1,9% agora em junho), o PIB espanhol está em alta (crescimento de 5,5% em 2022, à frente de Holanda, com 4,3%; Itália, com 3,7%; França, com 2,5%, e Alemanha, com 1,8%).

Mas, mesmo com esses indicadores positivos, Pedro Sánchez se viu reprovado nas urnas e caiu diante do discurso de Feijóo, de que “o governo está estagnado”. De acordo com o Centro de Investigação Sociológica (CIS) da Espanha, a população se vê em situação econômica “ruim” (43,1% dos entrevistados) e “muito ruim” (outros 13%). São dois “países” diferentes, como destacam analistas espanhóis: um, daqueles que analisam o PIB per capita; outro, dos consumidores de cesta básica, luz e gasolina.

Se agora a decisão de quem governará o país está nas mãos dos deputados separatistas, Ana Marson não acredita em independência total dessas províncias, uma alternativa que já foi rejeitada pela maior parte da população espanhola.

Mas se a Catalunha, por exemplo, já tem Parlamento, presidente (Pere Aragonés), bandeira e polícia, além de serviços como saúde e educação próprios, além de representações diplomáticas no Exterior, serão duras as exigências para pender para um ou outro candidato a primeiro-ministro.

Partidos catalães como Juntas e ERC já se articulam por uma “unidade estratégica” e poderão aproveitar força e oportunidade para, no entender de Aragonés, partir para a “a demanda máxima”, com uma frente comum pró-independência.

A partir da volta à democracia, em 1977, PP e PSOE se alternaram no poder. Em 2017, a crise que levou ao referendo pela separação da Catalunha e, na sequência, à declaração unilateral pela independência de seu Parlamento, provocou reação imediata com forte repressão por parte do primeiro-ministro da época, Mariano Rajoy. Justamente integrante do PP e que colocou a região sob intervenção federal.

Foi a brecha para Sánchez, a partir de 2018, consolidar seu ciclo como primeiro-ministro. E talvez a origem de sua confiança — e teimosia — em concorrer à reeleição em 2023, mesmo sob a imagem de arrogante.