Comportamento

Set-jetting: e se sua viagem fosse parte de um filme?

Visitar destinos que serviram como cenários de produções para cinema e streaming entra na lista de principais tendências do turismo em 2023. O set-jetting inspira viajantes e anima economia do setor

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A empresária Mariana Figueiredo visitou a vila de Iseltwald por causa da série 'Pousando no Amor', da Netflix: píer provoca frenesi (Crédito: Divulgação)

Por Elba Kriss

“Fechei meus olhos, senti o ar gelado da Suíça no meu rosto e romantizei a minha vida naquele momento lembrando de todas as sensações que senti enquanto assistia à série”, diz a empresária brasileira Mariana Figueiredo, de 26 anos, que viajou para o país para visitar a pequena vila de Iseltwald, cenário de Pousando no Amor, da Netflix. A produção sul-coreana estreou na plataforma em 2019 e desde então é um dos produtos mais assistidos do catálogo. Na Coreia do Sul, detém o título de quarto programa de TV mais visto da história. Não à toa a vila de apenas 400 habitantes viu o número de turistas explodir nos últimos anos. Iseltwald e Mariana são o real exemplo do que hoje é chamado de set-jetting, a tendência de viajar para destinos que serviram de locação para filmes e séries.

(Divulgação)

A prática é conhecida há tempos, mas se potencializou com a amplitude do streaming e das redes sociais. Atualmente, 70% dos viajantes das gerações Z e do milênio admitem que foram instigados a viajar para um lugar específico por causa de titulos da cultura pop.

As mídias sociais influenciaram 75%, segundo o relatório Tendências Mundiais de Viagens de 2023 da American Express Travel. “Esses dois fatores criam um efeito de boca a boca virtual, onde as pessoas se sentem inspiradas a visitar locais que foram retratados na telinha. Isso traz um sentimento de exclusividade e pertencimento”, analisa a turistech Camilla Gurgel, que justamente ensina a “usar a tecnologia para viajar melhor”.

A especialista observa que a indústria do turismo agradece o aumento do set-jetting, pois essa já é a segunda maior tendência do nicho — a primeira é a opção de ir para zonas fora do espectro turístico.

A economia do setor também aprova.

“O streaming e as redes sociais não só impactaram a escolha pelo destino de nossas férias, mas igualmente os hotéis e restaurantes que vamos frequentar e os passeios que iremos fazer.”
Turistech Camilla Gurgel

Foi o que aconteceu na aldeia da Suíça, que diante do volume de visitantes agora conta com ônibus especial para excursões. O governo local passou, inclusive, a cobrar R$ 27 pelo acesso ao píer principal usado em sequências românticas da plataforma.

Mariana saiu de lá satisfeita após investir R$ 25 mil reais na viagem pela Europa e reservar R$ 2 mil para ir até Iseltwald. “Encontrei diversos asiáticos. Eu me senti no dorama”, relembra.

Letícia Vieira e Ighor Redhd em frente ao restaurante Terra Nera, locação de ‘Emily em Paris’, da Netflix: figurino igual ao da personagem de Lily Collins (abaixo) (Crédito:Divulgação)
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Outra localidade que entrou na rota do set-jetting foi a Croácia, berço de Game of Thrones, da HBO Max. A economista Sabrina Bull, 43, estava no país quando soube que a cidade de Dubrovnik serviu de locação para as gravações.

“Existem lojas de souvenirs inspirados na série e um museu. Uma coisa que percebi é que os guias se especializaram na produção para atrair mais turistas”, conta.

Recentemente, a Romênia notou o aumento na demanda de tours por causa de Wandinha, da Netflix. O fotógrafo Hailton Ferreira, 34, que mora na Irlanda, aproveitou a boa localização: investiu 250 euros (algo em torno de R$ 1.300) para imersão pelos tesouros romenos.

“Estive no castelo que foi usado para as cenas externas. Sem sombra de dúvida, estar ‘dentro’ da série e ver pessoalmente te dá mais ligação com o cenário da gravação”, descreve.

Ponte de ‘The Last of Us’, da HBO Max, atrai viajantes para a cidade de Canmore: brasileira Camila Zanutel no mesmo lugar em que a atriz Bella Ramsey gravou (Crédito:Divulgação)
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Um bom negócio

Quem também investe na onda é o Canadá, sede de The Last Of Us, outro sucesso da HBO Max. A cidade de Alberta prepara um mapa para guiar quem pretende percorrer a região de carro.

A analista Camila Zanutel, 29, e o designer Guilherme Olsen, 35, moram em Calgary e estiveram em outros locais em que se passa o surto apocalíptico da ficção. Na experiência, eles se depararam com a tendência set-jetting.

“Encontramos pessoas filmando e tirando fotos até em um beco que aparece na história. A Engine Bridge, uma ponte em Canmore, é outro espaço que atrai muitos turistas”, narra ela. “Sempre tem gente nas locações.” As selfies reinam nesses lugares, pois se transportar para o cenário é a experiência da vez. E vai além de ver de perto ou tirar foto.

A recrutadora Letícia Vieira, 23, e o engenheiro Ighor Redhd, 26, aproveitaram uma passagem pela França para circular pelas ruas que viram em Emily em Paris, da Netflix.

De boina vermelha bem como a personagem principal, a brasileira quis vivenciar o que o enredo lhe apeteceu. “A melhor vivência sempre vai ser quando podemos experimentar algo da série literalmente, por exemplo, comidas. Em Paris, provei o pain au chocolat que a Emily come nos primeiros episódios”, relembra.

A pesquisa da Amex Travel aponta que, assim como ela, 61% dos entrevistados admitem que foram estimulados a visitar determinados restaurantes ou lojas depois de vê-los em um programa de TV ou filme.

“Há muito tempo, a indústria do cinema tem o poder de transformar destinos em símbolos de desejo”, observa a turistech Camilla.

A quem se interessou pelo set-jetting, a especialista sugere um cartão-postal nacional: as Cataratas do Iguaçu, que receberam a equipe do longa Pantera Negra. “No filme, as Warrior Falls, onde ocorrem as lutas, e a coroação do Rei T’Challa (Chadwick Boseman) são, na verdade, lá”, enaltece.

Sabrina Bull (à esq.) recriou uma das cenas de ‘Game of Thrones’, da HBO Max: guias de Dubrovnik se especializaram no turismo cinematográfico (Crédito:Divulgação)