O presidencialismo agoniza no País
Para saber a razão é preciso sair do Palácio e atravessar a Praça dos Três Poderes: no Congresso a tutela militar já teve guarida, o fisiologismo reina e até o uso indevido de São Francisco de Assis frutificou. O que era para ser coalizão política virou colisão com os valores republicanos

Lula e Lira: boa gestão do primeiro; bom “apetite” do segundo (Crédito: Gabriela Biló)
Por Antonio Carlos Prado
O presidencialismo no Brasil é como o samba de Nélson Sargento intitulado Agoniza, mas não morre. Seus primeiros versos dizem: “Samba agoniza, mas não morre/ alguém sempre te socorre/ antes do suspiro derradeiro”. Há, no entanto, uma diferença: quando o ritmo é socorrido, alguém o recria melhor. Já o presidencialismo, que tanto se tenta salvar a qualquer custo, segue ele agonizante — quase morto, e isso se deu, paradoxalmente, já em sua instauração na Proclamação da República, em 1889. Motivo: nasceu sob a tutela das Forças Armadas, que, sendo uma instituição, pretendem-se um poder de Estado. Sem personificar mandatários – poucos dignos, alguns loucos, muitos corruptos -, o que será aqui abordado é o sistema presidencialista. Nele, o chefe do governo e o chefe do Estado. Muito poder? Sim, mas teoricamente relativizado pelo enunciado “checks and balances”, consagrado com o pensador francês Charles-Louis de Secondat, o barão de Montesquieu, em sua obra O Espírito das Leis (bom que se diga que tem raízes em Aristóteles e no Segundo Tratado do Governo Civil, de John Locke. Iluminista, portanto).
Para que exista um presidencialismo que não exorbite em suas funções é necessário, então, que haja freios e contrapesos por meio de um Congresso igualmente forte, integrado por parlamentares que tenham os pés firmes em questões programáticas e não somente no pragmatismo – ou, pior ainda, no oportunismo.
Poder Executivo e Poder Legislativo se entrelaçam no presidencialismo, ponto elementar da ciência política. Tal entrelaçamento pode “dar bom” ou pode “dar ruim”. No Brasil ficamos com a segunda alternativa, sobretudo após o deputado federal Roberto Cardoso Alves ter dito a frase atribuída a São Francisco de Assis, que “é dando que se recebe”.
Falou isso no momento em que se redigia a Constituição da redemocratização, em 1987, forneceu as ferramentas adequadas à consolidação da esquisitice denominada Centrão, que engendrou outra esquisitice batizada de presidencialismo de coalizão – Lula, por exemplo, está fazendo um bom governo, deu passos certos na área econômica e social, mas teve de contemplar o Centrão em seus vis desejos. E a começar por seu líder, deputado Arthur Lira, hoje há pares que falam em semipresidencialismo e presidencialismo participativo. Dourados eufemismos para overdose de fisiologismo.

Assim escreve o pesquisador Nic Cheeseman, da Universidade de Oxford, no Reino Unido: “O presidencialismo (…) precisa garantir uma base de apoio no Congresso que lhe assegure condição de governar (…). Essa é uma das principais características do chamado presidencialismo de coalizão”.
Tal base de apoio não significa, porém, deixar tudo em mãos do mascate Centrão. Para o acadêmico britânico, o Brasil é um país que “depende muito de coalizões”. Dado o diagnóstico, conto a doença e a sequela.
Para tanto, atravessemos a Praça dos Três Poderes: o sistema presidencialista é moribundo porque muitos parlamentares são fisiológicos, e muitos parlamentares são fisiológicos porque a maioria dos partidos políticos são oportunistas – o resultado é o alijamento popular do núcleo de decisões.
Apesar de a metodologia marxista ser execrável e especiosa, registremos O 18 Brumário de Luís Bonaparte: “Os homens fazem a sua própria história (…) sob as condições com que se defrontam (…), legadas e transmitidas pelo passado”.
Ou seja: se o presidencialismo está caído doente no Brasil é porque se enfraqueceu desde a Proclamação da República, que se traduziu em quartelada, é porque todos desprezam o princípio de checks and balances, é porque Legislativo e Executivo se entrelaçam não como fiscalizadores um do outro, mas, isso sim, para operarem interesses.

A alternativa ao presidencialismo é o parlamentarismo, que se distingue pelo fato de o chefe do governo não ser o chefe do Estado. Nesse caso, o Parlamento ganha força e divide a responsabilidade de gestão com o primeiro-ministro.
É imprescindível um Congresso com programas claros, assim como deveria ser – mas não é – no presidencialismo. O Brasil teve duas experiências parlamentaristas. A primeira deu-se no Império, entre 1847 e 1889, e a Proclamação da República a dissipou.
O marechal Deodoro da Fonseca desejou ser presidente por vaidade e os parlamentares o quiseram como tal para negociar cargos, condecorações e obter verbas — já naquela época havia um Centrinho.
A segunda experiência parlamentar foi entre 1961 e 1963. Para aceitarem João Goulart na Presidência após a renúncia de Jânio Quadros, os militares (sempre eles!) forçaram a Câmara a implantar o parlamentarismo — Tancredo Neves tornou-se premiê.
Em 1963 um plebiscito perguntou à população: deseja que o parlamentarismo continue? O “não” venceu com 59.109.265 votos contra 33.333.045. Trinta anos depois essa opção pelo presidencialismo foi ratificada em novo plebiscito.
E cá estamos nós. É certo que sem base parlamentar não há presidente que governe, mas também é fato que tal base não implica cuidar somente do próprio umbigo, como geralmente ocorre. É isso que faz do presidencialismo de coalizão um presidencialismo de colisão com os valores republicanos e a soberania popular.