Julho das pretas

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Rosane Borges: "O Julho das Pretas é uma plataforma de incidência política que visa a pensar os feminismos negros sob a ótica das lutas das mulheres negras na Diáspora" (Crédito: Divulgação)

Por Rosane Borges

Julho foi um mês especialmente intenso para as mulheres negras do Sul Global: 25 de julho é a data em que a ONU reconheceu como Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Como todas as conquistas do povo negro na Diáspora, a data não é mera concessão de um organismo multilteral, mas fruto de reivindicações históricas. As mulheres negras avançaram em considerações sobre os persistentes racismo e patriarcado que as aprisionam nos estratos rebaixados da sociedade mundial.

Quando a lupa de análise joga luz na realidade brasileira, vimos que, olhe-se para onde se olhe, as mulheres negras continuam sendo as principais vítimas das iniquidades que exorbitam: a taxa de homicídios femininos recai sobre as mulheres negras, perfazendo 66% do total; a despeito do ingresso de mulheres negras na política institucionalizada, a representação feminina negra ainda é muito baixa; a violência obstétrica também é uma tecnologia com feição racial; a diferença salarial entre um homem branco e uma mulher negra, com nível de formação igual, é maior que 100%. Em face desse apartheid racial e de gênero, as mulheres negras se levantam, erguem a voz e propõem políticas inclusivas, na mesma medida em que apresentam um projeto civilizado de Nação.

O Julho das Pretas é uma plataforma de incidência política que visa a pensar os feminismos negros sob a ótica das lutas das mulheres negras na Diáspora. Construída em 2013 pelo Instituto Odara, organização de mulheres negras sediada em Salvador, essa plataforma, cujo dinamismo alcança maior penetração no Nordeste, converteu-se em um conjunto de ações essencialmente políticas para elaborar e incrementar, por meio de fóruns, projetos e ações voltados para a erradicação do racismo, do patriarcado, da lesbofobia, homofobia e formas correlatas de opressão, discriminação e exclusão.

Embora não sejamos genesistas (há um ditado africano que diz: “Para quem procura bem há sempre um novo começo”), pois as nossas lutas são coletivas e alimentadas por focos simultâneos de criação nos territórios negros, é preciso reconhecer os marcos fundantes do Julho das Pretas. Tal reconhecimento nos leva à honesta compreensão de que o Julho das Pretas não é uma marca, uma franquia que pode ser cooptada e utilizada como se estivéssemos na vitrine do capitalismo neoliberal.

Sabemos que, como nos ensinou o bloco Ilê Aiyê, “se dividir seremos sempre mais”, mas também sabemos que tal divisão não se presta a oportunistas de ocasião nem a festividades de uma data vista como simples efeméride, pelo poder público inclusive. É preciso, sim, que o Julho das Pretas ganhe ainda mais vulto e se espraie pela América Latina e Caribe, mas é fundamental que tal espraiamento não se dê às custas do protagonismo das mulheres negras e de seu subsequente apagamento, como é praxe da lógica racista e patriarcal. Afinal de contas, onde tudo vale, nada vale. Viva o Odara Instituto da Mulher Negra, viva as mulheres negras latino-americanas e caribenhas!