Comportamento

Gal, Xuxa, Tina… Entenda o que é relacionamento tóxico e saiba evitar

Celebridades como Gal Costa e Xuxa Meneghel sofreram com relacionamentos tóxicos na vida pessoal e profissional. Por que é tão difícil para as pessoas reconhecerem esses sinais?

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Wilma Petrillo, viúva de Gal Costa: fama de “psicótica” e relatos de que abusou psicologicamente da companheira (Crédito: Divulgação)

Por Elba Kriss

Acausa da morte de Gal Costa só foi revelada nessa semana, oito meses após seu falecimento. A cantora sofreu um infarto agudo do miocárdio e neoplasia maligna de cabeça e pescoço. A informação surgiu em meio a acusações de que Wilma Petrillo, viúva da intérprete, mantinha um relacionamento tóxico com a estrela.

Há relatos de desvio de dinheiro e maus-tratos — a musa da MPB, ícone de toda uma geração, era chamada de “gorda” e “velha”. A desconfiança pública teve início quando foi divulgado que o corpo da artista não havia passado por autópsia e sua certidão de óbito estava sob sigilo.

Marlene Mattos e Xuxa se reencontram após 19 anos: empresária era vista como “dona” da apresentadora no auge da fama na TV (Crédito:Divulgação)

Em outro caso envolvendo uma personalidade midiática, o documentário sobre a vida de Xuxa, produzido pela Globoplay, escancarou a opressão que a apresentadora vivia sob a tutela de Marlene Mattos, sua empresária nos tempos em que seu programa era campeão de audiência. A Rainha dos Baixinhos ouvia frases nada gentis, como “ídolos devem morrer cedo”. Xuxa não perdoa: “Minha história com ela é pautada por abuso”, declarou.

Casos como esses potencializaram o debate sobre relacionamentos tóxicos. Afinal, é possível identificar uma relação perigosa?

“Tais conexões frequentemente envolvem a manipulação emocional, o que pode levar à confusão e distorção da realidade, dificultando a percepção dos sinais de toxicidade. A pessoa pode acreditar que os comportamentos prejudiciais são normais ou que elas são as responsáveis por eles. Por isso sua identificação é tão difícil”, explica a psicanalista Nathalia de Paula. “Podemos incluir a dependência emocional como fator que dificulta esse entendimento.”

Tal submissão, por exemplo, levou a cantora norte-americana Tina Turner a ficar casada de 1962 a 1978 com Ike Turner. No livro Minha História de Amor, ela descreveu abusos psicológicos e violência física. “Tinha certeza de que precisava ir embora, mas não sabia como dar o primeiro passo”, admitiu.

Quem conviveu com Gal diz que ela foi vítima de relação abusiva. A intimidade da estrela veio à tona em reportagem da revista Piauí, que ouviu amigos, funcionários e parentes da intérprete para traçar o perfil de Wilma Petrillo, com quem ela era casada desde 1998. Gal havia confiado à esposa a administração de sua carreira – hoje ela é acusada de golpes e assédio moral.

À publicação, um funcionário narrou uma discussão em que Gal teria questionado a parceira:
 “O dinheiro entra e some, as dívidas não param de chegar. Que tipo de empresária é você?”
“Você é velha, as pessoas não querem mais te contratar”, teria respondido Wilma.

Outro colaborador disse que a conta bancária da famosa era “um buraco negro”. No camarim de um show, a médium Halu Gamashi testemunhou Wilma perguntar se Gal não tinha vergonha “por estar gorda”. “Você está pensando que é quem, Nana Caymmi?”, disse a empresária.

O ator Diogo Vilela teria sido vítima de um golpe na venda de um imóvel após confiar em Wilma. Como era mulher de Gal, fez um acordo apenas verbal, que não foi honrado.

Hoje, ele diz não querer “falar absolutamente nada sobre essa senhora”. Na produtora de Gal, o clima era de assédio moral, com Wilma chamando profissionais de “imbecis”, “burros” e protagonizando situações inóspitas — tirava a blusa e o sutiã do nada, em pleno expediente.

Mobilização

Há quem aponte sabotagem até nas relações com colegas de longa data. Ney Matogrosso relatou que foi impedido por Wilma de dirigir um show de Gal. Ao encontrá-la, dias mais tarde, ficou surpreso ao ouvi-la questionar: “Você não gosta mais de mim?”.

Ney explicou que havia recebido uma negativa, mas preferiu não culpar ninguém. Não adiantou: Gal já sabia quem havia atrapalhado seu trabalho. “Eu sei que foi ela”, disse ao cantor.

A demora na divulgação da causa da morte também mobilizou fãs e amigos. A jornalista Hildegard Angel usou suas redes sociais para pedir a atuação do Ministério Público.

“Pode ter havido crime”
Angela Ro Ro.

CASOS POLÊMICOS

Tina Turner e Ike: violência na gravidez (Crédito:Divulgação)

Tina Turner e Ike
A cantora superou a violência doméstica. Após 14 anos de abuso emocional por parte do marido, denunciou as agressões. O temperamento forte de Ike provocava o pavor da artista, que apanhou até quando estava grávida. Não tinha acesso ao próprio dinheiro e sequer podia conversar com outras pessoas sem autorização.

Britney e Jamie Spears: pai teria criado uma espécie de prisão para monitorar a filha

Britney e Jamie Spears
O pai da estrela pop teve tutela abusiva da herdeira por 13 anos. Seguranças relataram que ele interceptava as ligações e instalou microfones na casa da filha. Ela dizia viver em uma “prisão” — não podia sequer tirar o DIU para engravidar.

 

Billie Holiday: maridos deixaram rastro e traição, drogas e crime (Crédito:Divulgação)

Billie Holiday
Foi infeliz em seus três casamentos. O primeiro, com Jimmy Monroe, virou a música Don’t Explain — a letra cita um homem chegando em casa com uma mancha de batom. Joe Guy, o segundo marido, a levou para a heroína. O terceiro, Louis McKay, era um gângster.

Amber Heard e Johnny Depp: acusações mútuas

Amber Heard e Johnny Depp
O casamento durou dois anos e foi parar na Justiça, com acusações e difamações mútuas. A atriz definiu o ex-marido como “monstro” quando bebia e usava drogas. Depp, por sua vez, alegou que ela era agressiva. Amber foi condenada a pagar US$ 15 milhões a ele.

O que dizem os especialistas

Especialistas explicam as diferenças entre as relações negativas. “Relacionamento tóxico é aquele em que existe falta de apoio mútuo, críticas, julgamentos, competição, desrespeito e conflito. São atitudes e comportamentos que minam a autoestima dos impactados”, diz a psicóloga Monique Stony, do grupo Mulheres do Brasil.

“Já no relacionamento abusivo existe a intencionalidade de abusar do outro para obter algo em troca. Uma das partes fica impedida de responder em condições de igualdade frente a agressões e intimidações. O abuso ocorre quando o agressor se aproveita da fragilidade e vulnerabilidade financeira, física e emocional do outro, se colocando numa posição superior de poder.”

A autoridade foi protagonista no vínculo entre a Rainha dos Baixinhos e Marlene Mattos. As duas romperam a parceria após décadas e, desde então, muito se falou sobre a cumplicidade que virou desafeto.

O documentário de Xuxa traz detalhes perturbadores: o segurança Magno Chaves confirmou que Marlene trancava a estrela nos quartos de hotel. “Ela queria sair e não conseguia, a porta estava trancada. Se acontecesse uma emergência, teria que arrombar”, lembrou Chaves. “Me chocou quando a ouvi dizer que faria tudo de novo”, disse Xuxa.

Os casos envolvendo celebridades mobilizaram as redes sociais. Segundo a psicóloga Virgínia Suassuna, a exposição ajuda na elaboração de diagnósticos emocionais. “Ensina a olharmos para os nossos próprios limites, a reconhecê-los e a assumi-los. É hora de olharmos para as celebridades e não tê-las como modelos”, afirma.

Também mostra que esses problemas não são exclusivos dos casais. Relacionamentos tóxicos ocorrem entre amigos, familiares e profissionais. “Se uma pessoa começa a notar os sinais, o ideal é cortar no início e colocar limites. A violência escala, vai da ironia a um tom de voz mais alto”, diz Rodrigo Hupert, psiquiatra da Rede Mater Dei. “Pode evoluir para agressões físicas e, em casos graves, para o feminicídio.”

Violência

A advogada Gabriela Manssur lista os dados do Fórum de Segurança Pública: 14,9 milhões de mulheres sofreram ofensas verbais, o tipo de violência relatado com a maior frequência. Cerca de 27,6 milhões citam alguma forma de violência provocada por parceiro íntimo.

“As vítimas estão tão acuadas e isoladas que não percebem o quanto estão imersas na relação tóxica. Não conseguem denunciar, tampouco pedir ajuda a familiares e amigos.”
Advogada Gabriela Manssur , presidente do Instituto Justiça de Saia.

Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta que se engana quem pensa que a lei protege somente a integridade física da mulher. “O relacionamento tóxico, além de ser um ilícito criminal, é um ilícito cível. Garante à vítima a consequente indenização pela violação física e/ou psíquica que sofreu, com base nos artigos 186 e 927 do Código Civil”, afirma.

O advogado Luiz Fernando Gevaerd cita o art. 147-B, que tipificou o crime de dano emocional à mulher. “Ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo a sua saúde psicológica e autodeterminação”, resume.

Especialistas e autoridades informam que os casos devem ser comunicados à Central de Atendimento à Mulher, por meio do telefone 180.