Da Rússia com amor: James Bond soviético faz 50 anos
O presidente Vladimir Putin decidiu ser espião da KGB aos 21 anos, após assistir à produção '17 Momentos de Primavera'. Seu herói, o agente Max Otto von Stierlitz, era uma versão soviética de James Bond

Vyacheslav Tikhonov como Max Otto von Stierlitz: garoto-propaganda do regime (Crédito: Divulgação)
Por Felipe Machado
Em agosto de 1973, exatamente dez anos após a estreia de Moscou Contra 007 nos cinemas, chegava à TV da União Soviética o seriado 17 Momentos de uma Primavera. Seus doze episódios caíram nas graças do público: a audiência chegava a bater 80 milhões de pessoas por capítulo.
O sucesso foi tão grande que as ruas das grandes cidades ficavam vazias, o consumo de energia explodia e os índices de criminalidade despencavam. A Rússia parava para ver as aventuras do espião Max Otto von Stierlitz, personagem interpretado pelo galã Vyacheslav Tikhonov. O agente secreto fazia um jogo duplo com a Alemanha nazista, desvendando segredos e códigos para o exército vermelho — e conhecendo belas mulheres, no melhor estilo James Bond soviético.
Entre seus fãs estava o primeiro-ministro Leonid Brezhnev, que até mudou os horários de suas reuniões. Em São Petersburgo, a 700 quilômetros do Kremlin, outro admirador não desviava os olhos da TV. Segundo antigos colegas que preferiram manter o anonimato, o jovem Vladimir Vladimirovich Putin, de 21 anos, acompanhava a saga entre as aulas da faculdade de Direito e as atividades do Partido Comunista, instituição que havia acabado de ingressar.

Dois anos mais tarde — e depois de muitos episódios — ele seria aprovado no concurso para oficial do Comitê de Segurança Nacional, nome formal da KGB. Putin realizava ali o sonho de se tornar agente secreto.
A série 17 Momentos de Primavera, que acaba de se redescoberta na internet, nasceu como peça de propaganda. A ideia do chefão Yuri Andropov era retomar o prestígio da instituição, melhorar sua imagem e atrair jovens recrutas educados — como Vladimir Putin.
Para glorificar o trabalho dos espiões que atuavam no exterior, Andropov encomendou a autores locais uma coleção de livros e roteiros sobre o tema. Um deles era Yulian Semyonov, que escreveu uma complexa história policial. Andropov gostou e abriu os arquivos da KGB para ele, para que aprofundasse os detalhes e transformasse sua versão para a TV em algo mais próximo da realidade.
Duas semanas depois, começaram as filmagens. Dirigida por Tatyana Lioznova, a producão contou com dois agentes da KGB contratados como “conselheiros técnicos”.

Max Otto von Stierlitz logo tornou-se um herói popular, uma resposta ao discurso anti-comunista de James Bond. Os espiões ocidentais eram retratados como vilões, como acontecia com os integrantes da KGB em 007. O programa cumpriu seu objetivo ideológico de doutrinação.
A ligação direta de Vladimir Putin com o seriado data de 1991. Um cineasta de São Petersburgo fez um curta-metragem sobre a vida de um vereador local que havia trabalhado anteriormente como espião na Alemanha Oriental. O filme terminava com uma cena que remetia ao capítulo final de 17 Momentos de Primavera, quando Stierlitz volta para Berlim.
O vereador foi filmado ao volante de seu Volga, exatamente como na ficção, ao som da dramática trilha sonora do seriado. Esse vereador era Vladimir Putin — e as pessoas começaram a associar o jovem político ao ídolo desde então. A associação deu certo: em 1999, uma pesquisa realizada pelo jornal Kommersant perguntou aos leitores quem eles gostariam de ver como o próximo presidente da Rússia.
Stierlitz ficou em segundo lugar. O presidente anterior Boris Yeltsin costumava fazer piadas e aparecer embriagado em eventos oficiais. O povo queria alguém mais profissional, quem sabe um espião da KGB parecido com Max Otto von Stierlitz? Vladimir Putin era perfeito para o papel e, no ano seguinte, ele ganhou a eleição.
Lançado há 60 anos, Moscou Contra 007 despertou a fúria das lideranças do Kremlin

Sucesso nos cinemas há meio século, Moscou Contra 007 apostou no arquétipo de um personagem que viria a se tornar comum em Hollywood nos anos seguintes: o vilão russo. Agentes ocidentais, como James Bond, enfrentavam os inimigos da Smersh, organização usada pelo autor Ian Fleming para se referir a KGB.
Após receberem críticas do governo soviético, os produtores Albert Broccoli e Harry Saltzman a substituíram pela Spectre, formada por criminosos internacionais. Alguns de seus membros, porém, como Rosa Klebb e Auric Goldfinger, eram ex-membros da Smersh. Tratando-se de 007, não se pode esquecer que algumas de suas maiores paixões na ficção também eram da terra de Putin: a estrela do filme, Tatiana Romanova, era uma ex-agente da KGB apaixonada por Bond.